O desafio do Inéditos & Inacabados deste fevereiro era responder uma carta enviada pelo mediador convidado, o poeta e educador Claudio Gomes da Silva. Eis a carta:
Sampa, verão#16. Caro EF, até aqui cheguei, se necessário edite e salve!
Achar-se para perder-se e seus (des)contínuos contrários.
“Poesia, ponte em cima\ de abismos não abertos\
ainda ou flor que anima\ a pedra no deserto”
Nelson Ascher
Entre as aparições,dois caminhos imprimiram presença ao preparar e escolher mais presente que provocação aos participantes da edição fevereiro#16 da série Inéditos Et Inacabados,conduzida tão passada a limpo por Escobar Franelas para a Casa Amarela, foram necessários muitos deitar o corpo na cachoeira corona, para resfriar também por dentro o coco desse careca que empacota o presente mimo.
Ainda assim um tanto tonto entre dois polos energizados, ir à busca do papelpalavraadequado para embrulhar as idéias que fossem mais legítimas ao desejo íntimo do sujeito, fosse de brocados ou biscuit bacana ou a folhada bananeira, seria necessário algo que fosse mais que a luz no fim do túnel, que pudesse confirmar a voz que contra pontava o coração: “não devemos falar a língua dos outros e nem utilizar o olhar dos outros, porque nesse caso existimos através do outro. É preciso tentar existir por si mesmo” é o Evgen Bavcarno filme Janela da Alma. Então para que se achar, além de se perder para fluir ainda mais o jogo¿.
Talvez fosse necessário consultar o melhor amigo do homem e perguntar ao cão domesticado quais as sensações de rodar atrás do próprio rabo em sentido horário ou antí. A beleza está nos olhos de quem vê! Mais uma vez esses dias de viver #16 impõe outra deliciosa saída parafora do ramo, do rumo, no limo do remono ar de fora...“Com tantas coisas para tomar emprestado, sinto-me feliz se posso roubar algo, modifica-lo e disfarçá-lo para um novo fim!” Enrique Vila-Matas:perder-se, achar-se, Inspirar o ser! Inté expandir até o nada.
Perdido bem antes do meio do século mais esperado. Achar um mimo para a festa alegria e deleite dos parceiros de viagem é um exercício de arredondarseixos, cuja natureza mais íntima é rolar águas... perder-se... ”as coisas não são todas tão compreensíveis nem tão fáceis de expressar quanto geralmente nos fizeram crer. A maioria dos acontecimentos é inexprimível; ocorrem no interior de um recinto no qual jamais palavra alguma adentrou. E mais inexprimíveis do que qualquer outra coisa são as obras de arte”... trecho deuma carta deRainer M. Rilke. Cartas costumam ter um destino certo. O destinatário de Rilke é um jovem poeta. Ora, segundo as virtualidades espaço temporais #16, jovem é quem quer!
Então vale tomar essas dúvidas e dividi-las ao bel prazer em descaminhos contínuos ou não. E tem razão aquel@s que acreditaremsempre tem mais uma vida no drive, se a bateria acabar antes do fim do túnel.
Advertência: Vale roubar! Há multa para desperdício!
Cláudio Gomes, verão #16.
- Agora, o poema-resposta feito por Enide Santos:
Narciso no escuro
Olhos atentos pela janela ela fitava o princípio da estrada como se dela fosse emergir um sonho vestido de pura realidade.
A voz ainda não inaugurada naquele dia ressurge rouca e compassada balbuciando palavras implantadas na antemanhã. Ditos de um sonho ainda não recordado com clareza, ainda não compreendido com firmeza. Do lado de fora da janela todos os sons se encontram e todos os aromas se desmontam, porém, ela permanece ali inerte em seus pensamentos. Inesperadamente trava os olhos, suspira fundo, forte como se pudesse parar o mundo com seu ar. Sorri, vira-se para a porta que ainda permanece trancada adorna-se da maçaneta com a voracidade de um animal acuado jorra-se para fora destrancando seus dias presos por um passado infectado de amargura.
Ali naquele instante todas as horas perdidas são jogadas fora não a afetam mais de forma alguma, não a incomodam, não mais roubam sua vida.
O sonho que nunca sonhou o reflexo que nunca imaginou verteram do breu.
Nem sempre quem olha vê.
Inacabado...
Enide Santos 27/02/15
- a captação do instante por Akira Yamasaki:
último domingo
apenas olhei
para o banco de reservas
e pedi substituição
apenas arriei
os meiões até os tornozelos
e desamarrei os cadarços
tirei a camisa suada
coloquei-a nos ombros
e saí sem olhar para trás
não apontei os dedos
para os céus nem maldisse
o sentido da vida
não teve jogo de despedida
nem placa de homenagem
pelos gols marcados
não teve volta olímpica
nem discursos ou abraços
ninguém notou
apenas saí
como se saísse para comprar
pão e leite na padaria
akira - 21/0/2016.
- o eu profundo de Rosinha Morais:
Íntimo
No meio da noite
Breu
Ateu sonha
Realidade
Dista fantasia
In-variada verdade
Resposta
Goteja frenética
Em cálice
Cálida
Adormece o mantra
Nada
Em eterna vontade
Silenciosa sedução
Sacrifica alma
Ao corpo
Que mente
Solidão.
Breu
Ateu sonha
Realidade
Dista fantasia
In-variada verdade
Resposta
Goteja frenética
Em cálice
Cálida
Adormece o mantra
Nada
Em eterna vontade
Silenciosa sedução
Sacrifica alma
Ao corpo
Que mente
Solidão.
(Rosinha Morais)
- a Andréa Ferraz de Campos nem foi ao encontro, por conta de compromissos, mas mandou a "lição de casa", muito perspicaz, por sinal:
Sampa, março de
2016, chove...
As datas nem
sempre são propícias. Muitas vezes nos fazem ausentes de encontros, quando o
que gostaríamos é de estar presentes. E presentear e compartilhar, através de
algumas palavras, esse ajuntamento de ideias.
Mas ... vamos
enganando o tempo, mais um pouquinho...
Que bela
surpresa Cláudio Gomes, Escobar e sempre, A Casa Amarela!!!
Eis que me
deparo com uma carta. Novamente e tão inesperadamente uma carta.
Eu que já fora
afeita, adepta e amante incondicional desta tão primária forma de comunicação,
encontro-me diante de um verdadeiro desafio! Olho para o teclado, porém me
aproprio de caneta e papel para meu total deleite, e alento meu coração com
memórias de outras datas.
Sempre amei
escrever e receber cartas. Vivi nelas, e com elas emoções críveis e incríveis.
Esperar pelo correio fazia parte desta magia, do inusitado e da energia que uma
carta mobiliza dentro de nós.
Ainda hoje,
depois de muitos anos, tenho guardada uma pequena caixa de papelão com várias
relíquias de tamanhos, formas, cores e conteúdos dos mais variados. Essa
pequena “arca do tesouro”, perdura entre meus pertences, como por encanto,
conseguindo sobreviver há vários rituais de desapego. Essa senhora, já
desengonçada em sua estrutura de papelão, presa apenas por algumas fitas
colantes; passa pelo TEMPO rindo deste, muito sutilmente, para não chamar a
atenção. A tal caixa age como a esgueirar-se pelos cantos, encontrando lugares
obscuros, gavetas, armários e até fundos de guarda-roupas, embaixo de camas,
sempre querendo estar bem escondidinha a cada ataque da turma da limpeza.
Sento-me à beira
da cama, puxo uma xícara de chá como para um ritual, abro essa pequena caixa e,
em meio à poeira, uma leve névoa toma conta do quarto. Minha memória viaja e
meu coração pede um tempo. Uma longa e profunda respiração acalma todos os meus
sentidos, então aguçados. No seu interior algumas letras parecem pular das
linhas, penduradas no papel, já bastante puído. Marcas colorem o papel e as
tintas desbotam. Histórias e estórias que trazem dentro de si, O TEMPO... este
mesmo TEMPO que teima em ser o Senhor de Todas as Coisas! Persona, muitas
vezes, non grata!
Mas note que se
olharmos para dentro de nós, mais detalhadamente e bem. Se buscarmos em nós
mesmos, lá no fundo, perceberemos que o TEMPO é sim: Senhor! Mas não em todos
os lugares. Neste exterior, nestas paragens aqui deste Dharma, nesta Roda Viva,
nesta Matrix. Sim, sim, sim! Aqui nós nos rendemos ao velho TEMPO, e como
Senhor quer é, o obedecemos. E aos poucos podemos nos sentir sendo
ultrapassados, “passamos” com o TEMPO. Agora, lá no fundo, na essência, no
cerne das coisas, no interior do TODO, o tempo existe sim. Se movimenta, porém
não modifica o que já havia. Algo dentro de nós, “não dá bola” pro TEMPO, segue
inalterado desde sempre, “paratodoosempre”... Age como se ele não tivesse
passando, formando pretéritos perfeitos, imperfeitos ou mais-que-perfeitos...
nos faz ser e sentir como sempre fomos, como somos, como nos conhecemos..
Então, como
louca, revivo todos estes sentimentos, essas histórias e estórias guardadas
dentro desta pequena caixa de papelão, e fecho “a danada” com um sorriso de
canto. Me sinto, por instantes, muito poderosa por poder aprisionar o tempo
ali, naquele pedaço de papelão dobrado. Recoloco a tampa da caixa, e a deixo em
algum lugar qualquer, neste quarto, novamente e penso: sim!! Somos eternos! Em
nosso mais íntimo, em nosso coração, em nossa alma. Somos eternos no agora!
Saudações caros
amigos,
Andréa Ferraz de Campos
- o flash poético de Sueli Kimura, que ela batizou de "haikai de pé-quebrado":
pote cheio
guloseimas
criança indecisa
só observa
(Sueli Kimura)
- o profundo mergulho minimalista de Railda Herrero:
tinha uma
folha rasgada
no meio do
meu caminho
no meio do meu caminho
tinha uma folha
rasgada.
nunca vou
escrever
toda a verdade.
porque no meio
do meu caminho
tinha uma folha
pela metade
(Railda Herrero)
- a resposta pouco linear de Escobar Franelas:
Claudio, boa noite!
Como vai? Tudo bem? Espero que sim.
Aqui também está tudo bem. Tivemos um ano esquisito em
2015 mas espero sinceramente que 2016 seja mais afetuoso conosco.
Neste momento estou lendo a cartinha simpática e
enigmática que você enviou. Posso estar enganado, mas me parece que ela propõe
um jogo, uma brincadeira, uma maneira lúdica de interação entre idéias e
palavras. Posso também estar enganado, mas creio que sua intenção, antes de
tudo, é nos tirar do conforto da interpretação fácil, do diálogo
industrializado, que só reproduz falas prontas para idéias concebidas sem
elaboração artesanal.
Artesanal.
Creio – posso estar enganado! – que esta palavra traduz
quase que com perfeição um dos vetores pelo qual você nos provoca. Pois
artesanato nos remete à idéia de confecção manufaturada, longe de toda
maquinaria que nos aliena dos processos integrais. Se for isso – e repito:
posso estar enganado! – estamos muito próximos, Amizade. Permite me chamá-lo
assim? Amizade. Gosto de chamar meus amigos de Amizade. Dá a todos eles
(inclusive você) uma caracterização subjetiva, bem sei, mas também afetiva.
É isso que considero de mais relevante em minhas
relações, inclusive a nossa: a possibilidade de acrescentarmos dentro dela o
poder da afetividade através da linguagem múltipla. Isso tanto pode estar na
palavra despida (através da voz ou verso) quanto no gesto, no sorriso, no
abraço, aperto de mão, beliscão, empurrão, tapa ou afago.
Claudio, li, reli, tresli seu texto. Ah, agora mesmo lembrei
de outra coisa: vai me desculpando por não entendê-lo todo. Culpa minha, que
tenho dificuldade em lidar com abstrações, inclusive as minhas. Confesso,
todavia, que caprichei no esforço, fui fundo, tentei... Alguma coisa, porém,
ficou fora do linha magnética, não atraiu o raciocínio que ensejei, desejei,
esforcei por alcançar. A minha compreensão de certos fatos, textos e vivências
vai de um reconhecimento intuitivo que precede a inteligência técnica. É a
vitória da inteligência sensorial. Creia, eu sou muito feliz assim. Mas aí dei
de cara com a “pedra do caminho” drummondiana, que foi o desafio que você
lançou. E nela não soube penetrar, no máximo contornar.
Mas todo esse esforço para traçar um diálogo (mínimo que
fosse) contigo, foi, paradoxalmente, um destravar outras fechaduras que
impediam o fluxo livro do pulso criativo aqui. Acredite, depois que o li pela
enésima vez (sim, foram várias incursões pelas profundezas barrocas de seu
texto), percebi que a sua poeticidade logrou êxito em mim, tanto que acabei por
compor algumas peças (poetículos, textículos, contículos), devidamente
influenciados por seu manancial.
Isso é ou não é a beleza orgânica do processo todo?
Tirar da sua flor o líquor vital que irá semear novas flores por aí...
Por tudo isso, e depois de talvez nem ter falado
exatamente o que gostaria ou precisava, me despeço, não sem antes agradecer o
carinho das vivências contigo.
Caetanamente, deixo um abraçaço.
(Escobar Franelas)
- já o Luka Magalhães matou o pau e mostrou a cobra:
No interior de um recinto,
O cachorro gira e gira.
Expressões inexprimíveis,
De coisas boas e incompreensíveis
De línguas e gírias
De tudo que pressinto.
Torno, pois o papel
Em palavra adequada
Segurando o véu
Da poesia mal olhada
Se a beleza não nos vê
No verso do desejo
Há então de nos ler
Durante um cortejo
Se jaz em nossas palavras,
Que a noite, rebuscamos
No sentido, amarguradas
Da vida que emprestamos
Arte de Luka Magalhães |