domingo, 22 de novembro de 2015

Inéditos & Inacabados na programação da 2ª Mostra da Identidade e da Diversidade Cultural da Zona Leste de SP: textos escritos e discutidos



Inéditos & Inacabados - tema: deambular

textos lidos, apreciados e comentados:


poema de Sueli Kimura:

Teria a formiga inveja da cigarra? Se formiga cantasse e cigarra colaborasse Juntas, mundo afora, deambulariam?

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poemas de Enide Santos: Haicai: Esta corrente define haikai como um poema escrito em linguagem simples, sem rima, estruturado em três versos que somem dezessete sílabas poéticas; cinco sílabas no primeiro verso, sete no segundo e cinco no terceiro.
Haikai -16 Na poça do breu Nu, sem asas deambula A caça do amor Plêiades: É um poema de forma fixa, com uma estrofe de sete versos O título é obrigatório e deve ser constituído de apenas uma palavra. Os sete versos da estrofe são livres e não são rimados, mas devem começar com a letra inicial do título.
Plêiades: Deambule Descortinando de vez a rispidez do medo Descansa teus olhos em mim Desvista para sempre deste adeus Domando qualquer melancolia Desenhe fronteiras e ilhas, deambule. Despeje este grito trêmulo em meus ouvidos Dando luz a sua eterna fantasia. Acróstico é um gênero de composição geralmente poética, que consiste em formar uma palavra vertical com as letras iniciais ou finais de cada verso gerando um nome próprio ou uma sequência significativa. A palavra ACRÓSTICO originou-se da palavra grega Ákros (extremo) e stikhon (linha ou verso), onde o prefixo indica extremidade, apontando a principal característica desse tipo de composição poética: as letras de uma das extremidades de cada verso vão formando uma palavra vertical. Mas as letras podem também aparecer no meio do verso.
Acróstico: Deambular Deixou pegadas sem destino Emasculado vagueou Alma e corpo feridos Marionete do destino se tornou Banido dos desejos, fora. Usurpado sem perdão Lápide sem inscrição é seu coração. Abdicando de viver Rompe o tempo sem perceber. TAUTOGRAMA [origem grega, "tauto + grama" = igual + letra ; subst.masc , "o tautograma" .] Trata-se de uma composição poética em que TODAS as palavras começam com a mesma letra. A arte e desafio é uni-las com sentido e poética.
Tautograma: Deambular Diante Do Direito De Devanear Decidi Deletar Distâncias Depois, Demoli Dias Difíceis. Descortinando Duras Duvidas. Destemida Deixei-me Divagar Degustei Delírios Divinos Deslumbrada, Deambulei INDRISO Modalidade poética inspirada no soneto, criada por Isidro Iturat, espanhol, no início deste século. O Indriso é formado por 2 tercetos e 2 monósticos, num total, portanto, de08 versos, com métrica e rimas livres. Podem existir ou não. Tema: aberto. Verseja-se sobre qualquer tema. Esquema de versos: 3 / 3 / 1 / 1 Indriso: Deambulo Derramando-me entre os campos e as florestas Perfuro com fome o passado Entre os tempos e as horas certas Vou debulhando-me como flores que viram cisco Vou reparando em tudo sem saber o que dizer Vou vertendo-me devagar, sem prever. E em cada suspiro que dou, deambulo. Buscando incessantemente por ti, amor.

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poema de Rosinha Morais:

Errante Distorcida realidade Que me engole inteira Fronteira Entre o encontrar e o perder-se Caminho de destroços Onde pisam os pés cansados Levando ao desespero do existir Lodo purulento da indiferença Que corrói as entranhas Escorrendo em fétidas feridas Contaminando a alma Passo a passo O destino traçando curvas Levando cada vez mais longe Explorando trilhas difusas Um grito Perdido no meio do nada Encontra o próprio eco E se espalha na escuridão Despertando os fantasmas Que habitam o interior

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Poema apresentado por Daniel Carvalho:

Memórias da terra Ae, galera, se liga que fita tem muita história que precisa ser dita. Na grande mídia, TV e jornais visão do pobre jamais é mostrada pros demais. Imortais! Aqueles que lutam por direitos essenciais; pros jornais, os sem teto são vistos como rivais de policiais irracionais; ademais, quantos confrontos, quantas mortes e funerais surgiram por conta daqueles que não aprenderam a dividir seus capitais. Vou contar o que rolou naquele dia só de lembrar já me arrepia tanta coisa naquela noite eu perdia trata-se da história do meu povo que só brigava por moradia 1987 ainda eu era pivete mas lembro até hoje da injustiça que esse ano reflete Não tínhamos casa invadimos um barracão de obras de uma construtora. O movimento que buscava por moradia crescia no mesmo ritmo do ódio daqueles que representam a lei. Mandaram a polícia desocupar toda a área mesmo que precisasse usar a violência. Tava a maior correria as crianças quase nada entendia só sabiam que era pra correr porque havia risco da gente morrer Demoliram nossos barracos queimaram nossas tendas governo pau-mandado dos donos de fazendas. Fomos desabrigados pelos Guardas do ódio Guardas da violência Guardas do medo Guardas da fome Guardas da terra Guardas da terra em que impera o clima de guerra Guardas da terra em que impera a luta de classe que só o pobre ferra Choros e gritos em meio ao tiroteio esperanças perdidas naquele mês de fevereiro um tiro soou mais forte que todos POW a bala de um fuzil atingiu o peito de Adão Manuel da Silva homem da terra pai de quatro filhos meu pai... ferido no coração... foi morto... Adão Manuel da Silva meu pai ainda hoje a lágrima cai... pelo homem que tentava a sobrevivência pelo homem de desobediência a esse sistema capitalista de incompetência meu pai, vítima da violência, acabaram com sua existência... Mas não com a nossa resistência A luta de Adão ainda existe dentro de nós sua força não nos deixou a sós mesmo após a sua morte! Assim faço minhas rimas em cima de uma história vivida infância perdida, família destruída! Até o direito de sonhar me foi negado pelos homens fardados pelo soldado que deixou meu pai baleado... ele era casado, tinha filhos, só tava desempregado, mas foi executado se eu pudesse teria matado o policial desgraçado que deixou meu pai no chão estirado! Quais foram meus pecados para ter meus sonhos em sem-terra naufragados? E ainda hoje chamam os sem-terra de invasores não conhecem nossas dores nem nossas cores e valores quantas Marias, Antonios Josés, Cidas e Dolores não têm jardim pra plantar suas flores quantos trabalhadores são vítimas de agressores de farda vítimas do preconceito dos conservadores consumidores de mídia hipócrita, barata e que só o lado mais fraco maltrata! O peito de um homem a bala abriu O sangue de um pai o cinza asfaltou coloriu A lágrima de um menino caiu A lágrima de muitos homens ainda vai cair por saudade, por desumanidade Esse é nosso B.O. pra eternidade

 https://www.facebook.com/akira.yamasaki.3/videos/973606559376976/?theater

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conto de Escobar Franelas:

Deambulâncias‭

A plataforma da estação estava lotada.‭ ‬E no momento em que o metrô se aproximou,‭ ‬senti que iria ter muita dificuldade para embarcar.‭ ‬A pequena multidão comprimia-se para invadir o trem,‭ ‬que parou num tranco só e abriu as portas com celeridade.‭ ‬Para minha surpresa,‭ ‬pude entrar sem maiores apertos.‭ 
Já‭ ‬dentro,‭ tentei reter os passos‬ junto à porta,‭ ‬observando os espaços que se abriam e fechavam,‭ ‬como uma glote de ferro e tecidos.‭ Solícita, ‬procurando onde encostar,‭ ‬fui empurrada pela brutalidade de um braço que abria um rio no meio da multidão.‭ Aturdida pelo‬ redemoinho que produzia estragos emtorno de mim,‭ tentei virar. E‬ntão ele passou,‭ ‬e no momento em que rompia barreiras junto ao meu ombro,‭ o‬s olhos gulosos e impacientes encontraram os meus. Uma tempestade banhou-me.‭ ‬Se estava frio,‭ ‬não sei,‭ ‬senti calor.‭ ‬Talvez estivesse muito quente,‭ ‬talvez não,‭ ‬senti muito frio naquela hora.‭ ‬Quando ele passou por mim,‭ ‬estacionou dois passos à frente,‭ ‬virou,‭ ‬e ficou ali,‭ ‬estático,‭ ‬dissimulado,‭ ‬o corpo num frenesi incompleto.‭ 
Não,‭ ‬não era bonito,‭ ‬diria até que ele era bem feinho.‭ ‬Cabelos meio desgrenhados,‭ ‬meio encaracolados,‭ ‬o nariz batatinha,‭ ‬os lábios assimétricos.‭ ‬Mas aquele sorriso contido,‭ ‬aquele olhar cheio de flexibilidades...‭ ‬percebi que olhava sinuoso em minha direção. Gelei.
Eu estava de camisa branca,‭ ‬de empresa.‭ ‬O sutiã‭ ‬também branco. E ele percebendo as rendas além da opacidade do tecido.‭ O‬ pavor tomou conta,‭ ‬baixei os olhos em câmera lenta,‭ ‬sorrateiramente,‭ ‬sem querer mostrar apavoramento, o gesto do braço a cobrir inutilmente os seios nus.‭ ‬Antes mesmo de baixar toda a cabeça,‭ sabia ‬que estava tudo bem. O tecido branco estava lá,‭ intransponível, ‬não tinha problema algum. Ninguém,‭ ‬ninguém mesmo, estava me tirando a roupa,‭ ‬nem ele,‭ ‬com aquele sorriso traiçoeiro,‭ ‬sorriso de garoto mal,‭ ‬venenoso.
Fui percebendo o ridículo daquele exercício.‭ ‬Me desolhando difuso, todo torto, a cadapiscadela trepidava minhas pupilas desencontradas. Minha provocação‭ – ‬se é que era provocação e se é que era minha‭ – ‬era exclusivamente pelo fato de estar ali,‭ ‬braços aberto,‭ ‬como um cristo prestes a ser crucificado,‭ ‬espalhando a falsa lucidez de um corpo desalinhado e quente.‭ 
O perfume que passara displicentemente em alguma hora da tarde diluía-se num mar de suores frios,‭ ‬ganhava novos aromas,‭ ‬numa alquimia imprevisível,‭ ‬onde o corpo exalava o calor de uma tensão incontrolável.‭ 
Lembro que tinha um livro na mão.‭ ‬Não me pergunte o título,‭ ‬nem o assunto,‭ ‬nem o autor.‭ ‬Eu me entregava à languidez daquela hora e a utilidade objetiva daquela peça de papel em minhas mãos agora era o de distrair mãos e olhos.‭ 
Sei que meu olhar inquieto me entregava.‭ ‬Devia deixá-lo intrigado,‭ ‬com os gestos serelepes de quem procura disfarçar porcamente uma leitura que não passava de clarão diante dos olhos.‭ ‬Meus olhos,‭ ‬assumo agora,‭ ‬o seguiam sem o fitar.‭ ‬A lava quente que brotava de meus poros me agonizavam,‭ ‬coçavam na pele,‭ ‬desciam como água benta que brotavam de um cântaro sagrado,‭ ‬gelavam minha pele,‭ ‬o coração pulsando inconstante.‭ Ele‬,‭ ‬ao contrário,‭ ‬dançava comigo um balé trôpego. Minha camisa transparente,‭ ‬com o desenho hiperanimado de meu sutiã,‭ ‬com minha carne morna,‭ ‬com minha seiva viva, era teatro vivo, concerto de uma peça sem roteiro.‭ ‬Cada vez que o encarava,‭ ‬com o sacrifício da sutileza,‭ ‬com o arrepio do disfarce,‭ ‬ele estava em outras esferas,‭ ‬em outros lugares.‭ ‬Prostrado,‭ ‬adorado,‭ ‬abduzido,‭ ‬ainda assim tentava escapar com um cachorro vadio tenta fugir da carrocinha.
E o trem seguia.

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poema de Akira Yamasaki

sou um ponto negro

na escuridão furiosa



na claridade impiedosa

um voo de luz imundo



na eternidade silenciosa
só um pássaro sem voz

só uma gota no mar
uivando na lua cheia
só um grão de areia
só um cão solitário

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um texto em prosa e outro em versos, de Mário Neves:
O DEAMBULAR DA ALMA E A MINHA DÚVIDA

Sem inspiração, sem assunto, sem leme, sem lume e sem rumo, a minha mente vagueava o infinito a procura de palavras para criar um texto. Criar um texto não é apenas escrever palavras frias, é transpirar e viver e eu sentia a alma combalida, impotente dentro de mim mesmo. Nuvens cinzentas encobriam a minha imaginação sendo um obstáculo a encontrar um rumo, um tema ou um lugar.
Obstinado lutava e quanto mais lutava mais encontrava resistência, a minha imaginação tinha muita velocidade, mas nenhuma objetividade passava por ruas, rios, postes, pontes, sem se deter em nenhum ponto, foi quando deixei o pensamento flanar pelas suas próprias asas, solto a deambular a seu bel prazer pelos meus sentidos à procura de um porto.
Livre e sem ansiedade e depois de muito perambular por caminhos, veredas, becos, atalhos, enigmas e encruzilhadas a minha alma se acendeu e levou-me a escrever o perseguido texto.
Porém ao termina-lo uma dúvida pairou no ar, o texto seria mesmo meu? Ele não teria sido plagiado das palavras que minha alma roubou do dicionário? Não estaria o texto pronto dentro do grande livro antes mesmo que eu fizesse a minha colheita? Sei que colhi, mas quem plantou? Minha dúvida aumentou muito mais quando me recordei de uma afirmação do grande escultor Michelangelo que dizia:
“Como faço uma escultura? Simplesmente retiro do bloco de mármore todo o excesso, tudo que não é necessário. A obra está dentro da pedra.”
“Ser ou não ser” diria eu parafraseando Shakespeare; o texto é meu ou não é meu? Não sei... Só sei que estive aqui deambulando em pensamentos a escrever um texto pra chamar de meu e que não sei se me pertence ou se já estava escrito com todas as palavras e letras no bojo dos dicionários.

COLHEITA

Fiz um poema
para chamar de meu,
mas será ele mesmo meu?’

Não seria pretensão minha,
pode ser que antes mesmo
de criar o poema,
ele já existisse no bojo
dos dicionários?
Palavras soltas, dispersas,
mas loucas para se unirem
explodindo em poesia?

Sei que fiz a colheita
dos vocábulos,
mas quem fez o plantio?
Fiz um poema
pra chamar de meu
mais se é meu não sei.

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poema de Janete Braga, que, aliás não compareceu ao Inéditos, mas contribuiu com este texto:

Erva de Passarinho O nosso amor... tão bel, robusto, intenso! Já era... deu erva de passarinho ficou mirradinho, fraquinho, franzino, O nosso amor não canta mais a nossa melodia. Não canta, não chora, não respira, não dança, não deambula. O nosso amor vive em mim, O nosso amor vive em você... É seu e é meu, não é nosso. Se acabou, se se acabou... nosso amor, não era amor.