domingo, 27 de setembro de 2015

Inéditos & Inacabados na Casa Amarela, 26 de setembro


Foto de Daniel Carvalho
2 textos de Mário Neves para o Inéditos & Inacabados: 
A VIDA TEM SUAS QUEBRADAS
CABE A NÓS CONSERTAR
  A vida não é uma linha reta e às vezes ela se parte em pontas quebradas. ela tem um traçado irregular imitando a crosta terrestre com seus montes, vales e depressões.  Alguém disse um dia que a linha da vida tem que ter seus altos e baixos, em linha reta ela significa morte, igual indica as linhas de um eletrocardiograma.
  Se por um lado a vida é um privilégio, por outro ela é uma arte para cada um de nós, onde é preciso equilíbrio, compensações, ajustes aqui e ali para torná-la palatável.
 Temos que dar maior importância na tela da vida, para os dias mais brilhantes e assim encobrir as horas sem cores. As passagens e locais sem luz devem  perder sua força para momentos de alegria e grandes emoções. As quebradas e extremos vividos devem ser motivos e um desafio ao sucesso. Os desencantos da alma e o distanciamento dos pés um sério aviso que só vive aquele que não cruza os braços esperando  tudo acontecer por si só. As horas de sede sem água, amargas sem o doce devem ser o desconforto que nos move e nos põe a andar. Água parada perde a vida e assim também nós.
 Os oceanos são maiores que os mares e as facilidades da vida em maior número que as dificuldades, deixem, pois suas emoções mais gratificantes afogarem as páginas quebradas da vida, assim como os oceanos se quisessem, poderiam engolir todos os mares da terra.
 Nas quebradas da vida não deixe se quebrar nunca!

VIDA SE APRENDE VIVENDO!
O que é mesmo a vida?
Ela é nossa grande viagem
Da qual temos a passagem,
Não de volta, mas só de ida.

Avida é nossa melhor escola,
Onde aprendemos lição ou não
É um prêmio, não uma esmola,
É plenitude no pulsar do coração.

Pode ser ou não uma linda estrada,
Margeada por ervas doces ou amargas
Ter o céu azul ou nublado na jornada
Com sendas estreitas, ou ruas largas.

Vivi quebradas em minha vida
Descendo aos confins do inferno,
A vida já quebrou a minha cara!
Mas meus sonhos de menino,
Brinquedos quebrados pelo destino,
Consertei em emoções raras!

Procuro reviver meus melhores dias,
Subindo em êxtase aos céus
Nas asas dos sentimentos mais puros!
Acumulando reservas para tudo,
Fazendo desta energia
um escudo
Para vencer os instantes mais duros!


2 textos de Enide Santos para o Inéditos & Inacabados: Endereço: Quebradas
Não são só as folhas das árvores
Que aqui o vento assopra
São as luzes assutadas
Das curvas, dos becos, das portas.

Não são apenas águas de março
Que aqui rolam pelo chão
São as águas das faces
Dos pivetes em construção.

Não são somente os gritos das crianças
Que brincam com fuzis nas mãos
São também os gritos dos adultos
Carregando mais um caixão.

O relógio já marca
Está na hora de acordar.
A visão ainda embaça.
Mas é preciso me levantar.

Da noite ficou o som da goteira
Que não me deixa desligar
E de olho nos moldes do barraco
Figuras de arte me proponho criar.

O contorno da janela
mais parece um v
E da fresta entre as tábuas
O medo ousa me ver.

É, a goteira insistiu
Meu sonhos tentou interromper
Mas a saga do dia também persistiu
Porque outro endereço eu quero ter.

xyzxyzxyzxyzxyzxyzxyzxyzxyzxyzxyzxyzxyzxyzxyzxyz


Quem?
Dança com as noites,
sem sair do lugar.
E a chuva já passada,
ainda a faz respingar?

Molha as flores,
que aina vão brotar.
E lança-lhes perfumes,
que exalam pelo ar?

Quem...

Abstrai da luz,
gotas de escuridão.
Só para valorizar,
a força do clarão?

Seduz no grito,
sem nem um som ecoar
E com um único suspiro
retém a água do mar?

Quem...

Arranca da flor a
a alma em dor,
E embala nos braços
a pureza do amor?

Doravante poeta
Dá-nos letras a recitar
E formosos poemas,
para a voz embargar.

Texto de Alba Atróz para o Inéditos & Inacabados: MOTE Voltarei a resgatar-te, ó quebrada, do progresso opressor. GLOSA Pela janela de um ônibus vou recolhendo teus cacos E do atroz corrupto te escondo E tuas riquezas são reconstruídas a partir de minha memória em teus escombros E num muro de luta te pinto, te grafito, reacendo teus traços E resistimos juntos às vertigens e aos maus tratos E, no despertar à margem, continuamos mostrando teu pregresso valor E a importância de superarmos todo este terrível estupor E quando tuas relíquias reaparecerem maltratadas E em tua terra esteja tua história e uma flor, à sombra, num campo, pisoteada, Voltarei a resgatar-te, ó quebrada, do progresso opressor.



Poema de Daniel Carvalho para o Inéditos & Inacabados: 
O vento corta como uma foice
Jaqueta fina, calça que não serve no irmão
 Chinelo, sem meia
 imagina a pressão.
 Entro num fast food

Tô com fome e preciso levar grana pra casa
 Mas ali só tem gente rude comendo
"Dar grana pra moleque folgado, pra que? Não sou obrigado!"
 Vai vendo
Peço uns trocado
Mas na mente dos cara sentado tá escrito:
Mas na fala, a forma é diferente
Me sinto culpado, nem sei de que!
O recado é dado no olhar indiferente
Mas só partilho 
Sorrisinho sem graça e hipócrita na boca:
"não tenho grana hoje, filho"
E assim eu trilho
da mesma dor
"sustentar vagabundo não vou,
com quem é da quebrada
Pros outro, nóis não é nada
A moeda nem é dada
Mas a ideia errada é lançada:
Sei lá, meu,
cadê o pai dessa criança?"
Ae, também faço essa cobrança!
Mas ele tá preso
Isso que me deixaram de herança
"Mas e a mãe?"
Não tenho patrão, mas tenho minhas meta
Quem tá pedindo ajuda não é ela, sou eu!
Passo de mesa em mesa
Mas já naquela certeza do não
Preciso ajuda a sustenta meus irmão
O trampo na rua é maçante 
Tá vendo como no bagulho tenho responsa?
E você aí na desconfiança.
Trampo na rua, jão
Nem tenho tempo de estuda
Nem cabeça pra pensa
Que a escola é importante
O desejo de vingança em mim se cria
Enquanto os moleque da sala tem tempo de jogar video game e fazer lição
Minha mãe não tem grana pra botar um lápis e borracha na minha mão.
Realidade dura e fria
Os moleque me zoando na escola
Só porque vivo pedindo cola
Também quero andar nos pano
Acham que sou burro, idiota
Talvez eu seja
Mas minha melhora ninguém almeja 
As prof dizendo que não tenho esforço
Vô ter que fazer reforço
Dizem que vou chegar no fundo do poço
Também tenho meus sonho
Ainda sou criança, suponho
Sair como? Minha vida nem tem poesia.
Não é isso que dá valor ao ser humano?
Então, por isso comecei a andar com uns mano aí...
Tô fazendo coisa errada
Eu sei
Mas também quero vida de rei...
A realidade da rua convida
à conduta da intriga, da ira
Dizem "sai dessa, é fria"
faça chuva, faça sol
E nem me venha com ladainha se meritocracia
Qual é a tua?
Trampo vendendo bala na rua
Enquanto vc sai de carro pros rolê
Pra vc vê
Cadê a meritocracia?
Não é o esforço que faz a pessoa crescê?
Então, tio,
trampo no frio, olho uns carro,
vendo bala no farol
to na correria
Tá roubando a infância de um menino
mas a recompensa de mim se distancia
fala, jão, como saio dessa?!
fala, caraio, por que tô nessa?
meça seu preconceito, parça
porque por nóis não há quem faça!
Relaxa, jão, não vô te roba
Mesmo você miguelando aí o que vai sobra.
Quem tá roubando aqui é a sociedade,
É a tua indiferença!
E parece destino do oprimido parecer o assassino.
Quem mata aqui é você, pobre burguês, da classe dominante
É o seu olhar de desprezo, arrogante.
o grande inquisidor 
Da minha sentença


Poema de Akira Yamasaki para o Inéditos & Inacabados: jardim de hideko - 27
quando ela chegou veio tão destruída por fora e por dentro,
tão cansada de tudo e todos, que ao primeiro indício de que
seguidos, o justo e áspero sono da sua viuvez;
estava a salvo na sua nova casa deitou e dormiu seis meses

quando afinal acordou do seu incomum inverno, a sua face
estava serena como se tivesse durante a travessia do seu
página de luto e dor;
extenso sono de novos sonhos, apagado para sempre sua

neste dia ao acordar não sorriu nem chorou, não perguntou
nada nem amaldiçoou deus por sua cota de sofrimentos e
e cheiros dos seus tempos de menina e um velho chapéu de
perdas e apenas vestiu um avental encardido de lembranças
palha eu vou para maracangalha;

então comprou pás, enxadas, tesouras de jardinagem e luvas
de pedreiro e com algumas plantas e paciências trazidas da
cabeça porque entendeu que era a hora correta para curar o
casa antiga começou a inventar um jardim sem pé nem
coração torturado de um poeta doente




Texto de Rosinha Morais para o Inéditos & Inacabados: Sobre Maioridade
Meu medo não está na criança
Nem está no adolescente
Eles não têm segurança
Em sua maioria, são carentes

Você fala sobre a redução
Que não fazê-lo é loucura
Experimente melhorar a educação
E fazer mais pela cultura

Os jovens vivem numa corda bamba
Sem nenhuma perspectiva
Veem os pais vendendo muamba
E apanhando da vida

Numa sociedade de desmandos
Retrato de qualquer novela
O preço, pago pelo rico malandro
Terá seu soldo quitado nas favelas


Texto de Joel Filho para o Inéditos & Inacabados (Joel não ficou no encontro, por conta de outros compromissos, mas deixou o texto para que sua mãe - Rosinha Morais - fizesse a leitura):
Se a Quebrada
Assim está e todos sabemos
Por que ninguém a conserta,
A quem interessa que exista
Uma parte da cidade
Quebrada?

2 poemas de Sueli Kimura para o Inéditos & Inacabados:

É noite
Ecoa o som das quebradas
Amanhece
O eco permanece

=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=

Um tiro
Asas quebradas
Um rodopio
Dor 



Texto de Gilberto Braz para o Inéditos & Inacabados" (O Gilberto não participou do encontro, por conta de outros compromissos, mas deixou o texto no Facebook, de onde roubartilhamos para degustação de todos): Vozes



Eh, São Miguel, também tem ladeira!

somos morros de formação recente

em sedimentos de histórias ancestrais

uma cidade à parte, uma vontade a mais
uma voz presente, outra quebrada
uma mão na frente, a outra atrás
aqui é um mundo à parte, outra pegada.

Eh, São Miguel, também tem ladeira!
o grande caldeirão a levantar poeira
com seus braços abertos feito um cristo
a salvar aqueles que não têm nada com isto
a abraçar seus filhos de outras mães
os seus filhos de santo
os seus filhos das putas
na mesa de todas as festas
no ventre de todas as lutas

Eh, São Miguel, também tem ladeira!
aqui é um mudo à parte
outra pegada
uma voz presente, outra quebrada.



3 haicaos de Escobar Franelas para o Inéditos & Inacabados"
I - a vida acontece a muitos.
quente, forte, revirada
agridoce, desengarrafada

II - noite longa, insaciada
tarde: leve mente alcoolizada
a vida - aos cacos - atrasada

III - nas vilas, ruas, vielas
o dia acende o sol
faiscando nas garrafas



Resumo geral de Rosinha Morais para o Inéditos & Inacabados (Rosinha foi a mediadora deste encontro, que teve um aquecimento inicial com Sueli Kimura)

Após uma breve apresentação de textos sobre “Quebradas”, assim aconteceu a quarta edição do Inéditos & Inacabados.

1 – Rodada de leituras aberta  por Enide, com o texto: “Endereço : Quebradas”, trazendo a visão interna, de dentro pra fora da quebrada.
2 – Seu Mário introduziu um texto completamente inédito em relação ao tema, trazendo a “quebrada” com uma visão espetacular, sobre o quebrar do viver e seus aprendizados.
3 – Daniel quebrou tudo com um poema, que embora ele sublinhasse, estar trabalhando com um tema que não era do seu perfil, usou a profundidade para tirar qualquer artificialidade do assunto, dissecando a questão social, indo ao cerne do problema ou da realidade que ronda os moradores das “Quebradas”.
4 – Leitura do texto do Joel Filho. Poema curto, mas impactante. Criando ou quebrando elementos. Burilando com o conceito. Inquietando.
5 – Rosinha Morais – (?)
6 – Sueli Kimura – Os textos da Sueli vêm surpreendendo cada vez mais, de uma forma maravilhosa, sintetizando a força da poesia, em pequenas pérolas (Como comparar um quilo de algodão com um quilo de ouro, o peso é igual, mas os volumes e valores apresentam grandes diferenças).
7 – Alba Atróz – Veio nos oferecer uma viagem por todo o contexto “quebrada” – Utilizando a figura da desconstrução para edificar novas caracterizações, mantendo como ponto forte a resistência, o continuar.
8 – Akira trouxe o poema Jardim de Hideko 27 e conseguiu estruturar a quebrada, comparilhando um pouco da sua intimidade e mexendo com a emoção de todos.
9 – Escobar apresentou mais alguns dos seus textos minimalista, de profundos significados e múltiplas interpretações.




Inéditos & Inacabados - Resenhas de Rosinha de Morais e Daniel Gtr


“Quebradas”
Esse foi o tema do Inéditos & Inacabados, roda de leitura crítica, projeto da Casa Amarela idealizado e realizado pelo poeta e amigo Escobar Franelas.
“Quebrada”, foi como eu me senti quando ele fez o convite para que eu fosse a mediadora da vez. Era muita confiança e eu não sabia se estava à altura de tal. Confesso que eu tentei algumas desculpas para declinar de uma maneira sutil, mas meus argumentos foram sutilmente rechaçados (tá, talvez não tão sutilmente, quando ouvi uma discreta ameaça que a mediadora convidada poderia não comparecer por, quem sabe, uma perna “quebrada”(?) rs.)
Diante dessa fé em minha capacidade, eu só podia enfrentar a tarefa. Acho que consegui.
Obrigada, Escobar!
Obrigada, Sueli!
Gratidão a todos que acreditaram que eu seria capaz. Aprendi muito, o que sempre acontece com cada um de nós que participa do Inéditos & Inacabados. Como disse a Enide, o EU de cada um se transforma no NÓS e engrandece o SER.

Rosinha Morais


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O Inéditos & Inacabados, roda de leitura da Casa Amarela, idealizado pelo grande parça Escobar Franelas, tem sido para mim a água que rega minha criatividade.
Dentro dos muros cinzentos, é tão difícil fazer uma poesia desabrochar. No entanto, graças a esses encontros, aos poucos, continuo construindo meu jardim de poemas.
O encontro tem a seguinte pegada: um tema é escolhido, um poeta é mediador e nós compomos algo sobre esse tema estipulado. Meus últimos poemas - "Julgamento do Óbvio", "Virtudes", "Poema aos coríntios" e o "rap" sobre o menino que vende balas no farol - germinaram em minha mente a partir dos desafios poéticos propostos por Escobar.
Além da água que faz sobreviver os restos de poesia, a Casa Amarela conta com verdadeiros jardineiros que me ensinam a cada encontro. Lá, no Inéditos & Inacabados, vivencio um grande test-poem-drive. É lá que apresento pela primeira vez meus textos, a fim de saber sobre suas falhas, acertos, limites, fruição, entre outras coisas.
Lá é onde começam a crescer as mudas de meu jardim poético, é a escola que aprendo como plantar, é o lugar para os amigos poetas encontrar.
Gratidão a todos pela recepção tão carinhosa, pelas dicas, críticas e comentários feitos sobre cada poema apresentado. Obrigado, Casa Amarela, por transformar meu jardim em aquarela.

Daniel Gtr

domingo, 13 de setembro de 2015

Lançamento de Amador, livro de estreia de Rafael Carnevalli






Foi uma surpresa além do inesperado a festa de lançamento do primeiro livro do poeta Rafael Carnevalli, na Casa Amarela - Espaço Cultural, na tarde fria a garoenta da Samplândia, um sábado marcado como dia 12 de setembro de 2015, quase primavera.
Que eu já esperava uma variedade de boas surpresas, isso não nego. Quem sabe da militância e das amizades firmadas pelo jovem de 26 anos que administra multitarefas no ambiente poético da zona leste (especialmente São Miguel), já poderia deduzir que viria coisa boa no evento. Mas veio muito, muito mais.
Abrindo espaço para bróders, sisters e outros chegados que vieram celebrar o nascimento de sua obra, o palco da CA ficou encantado pelo número encantatório de gente talentosa e de bem com a vida que por lá desfilou com suas artes: colou na área o Edilson Borges (popular Lobinho), Bianca Guedes, eu, o Akira Yamasaki, Mateus Pimentel, Jaqueline Alves, Bruno Slaikow, Alef, Tayla Fernandes, Luka Magalhães, Punky Além da Lenda, Yuri Cortez e Felipe Cupertino, além do violão e da explosão esperta de Luck Vas, que fechou com chave de ouro um evento que nasceu grande antes mesmo da gestação. 
Uma tarde&noite inesquecíveis e infinitas no culto à deusa Poesia! 
Amador é a primeira incursão de um poeta que promete e cumpre muito: Rafael Carnevalli: quem viver, lerá! 
- Namaslê!

texto de Escobar Franelas
fotos espertíssimas de Luka Magalhães