domingo, 31 de agosto de 2014

Blablablá de agosto na CA: como foi?



Fotos de Luka Magalhães

O 15º Blábláblá na Casa Amarela, acontecido no último sábado, 30 de agosto, foi realizado sob o impacto da reportagem produzida um mês antes, durante o 14º. Naquela tarde de julho, a equipe comandada pelo Alessandro Buzo fez a cobertura do evento e então a reportagem foi apresentada agora, no quadro Periferia SP, do SPTV 1ª Edição (Rede Globo).
O Blablablá é um encontro de inteligências que mensalmente se reúnem na CA para debater um tema específico. Desta vez, o tema a ser debatido era “Redução da Maioridade Penal: Pra quê? Pra quem?”. E os convidados eram Marcel Cabral, arte-educador e editor do jornal Voz da Leste; Analice Pereira de Campos, psicóloga e pedagoga com larga experiência na formação de professores e estudos de temas ligados aos Direitos Humanos; e Arnaldo Bispo do Rosário, advogado e ex-subprefeito de Ermelino Matarazzo, que traz na bagagem um longo percurso dentro das lutas sociais da região leste desde a década de 1980.
Depois da canja especial proporcionada pelo casal Eder Lima e Lígia Regina, cantando e recitando músicas e poemas que retratam o universo infanto-juvenil, os três convidados apresentaram um pouco de seus percursos biográficos, até começarem a dialogar com o público presente.
Os primeiros apontamentos foram feitos por Marcel que, recorrendo ao pensador Michel Foucault, citou, “a escola é a base do autoritarismo”.  Segundo ele, “o espaço público é o espaço da convivência mas o jovem aprende que espaço bom é o fechado”. Marcel, atualmente professor de História da Arte na ETEC, fez uma defesa apaixonada da educação como desencadeadora de modificações no contexto que vivemos. Apontou distorções de ordem sócio-econômica (“Uma Ferrari é um coisa violenta”), falhas estruturais (“Quem educa hoje é a mídia”) e erros conceituais na relação das pessoas com a memória (“O Carandiru ter virado o Parque da Juventude é um exemplo do apagamento da memória”).
Analice também recorreu a um pensador para embasar seu raciocínio, no caso do sociólogo polonês Zygmut Bauman. “O Marcel falou de Foucault, eu vou de Bauman”, brincou, na introdução de sua fala. A seguir, sentenciou, “é difícil falar de Direitos Humanos sobre a prerrogativa do indivíduo”. Anunciando que questões desse quilate devem ser discutidas dentro de princípios coletivos e não individuais, a pesquisadora exemplificou que qualquer pessoa agredida pensa em reagir pela lógica individual. Mas somente após pensar dentro do contexto do coletivo, é que é possível tomar decisões que são equilibradas e sensatas. Citando exemplarmente que “uma campanha publicitária é feita para quem não pode comprar”, explicou didaticamente como os princípios da frustração, do freio consumista e da auto estima são fundamentais para regular a atuação da criança, do jovem e do adulto dentro da sociedade. Provocada pela platéia, Analice aprofundou diversos questionamentos. O mais emblemático foi quando lembrou que “o fenômeno dos saraus é de extrema importância, mas ainda parece preso a uma certa ´intelectualidade´ periférica”.
Coube a Arnaldo dar cor e forma definitivos aos contornos que se desenharam durante todo o evento. O culto, popular e loquaz advogado impressionou as todos quando, fundamentando-se em dados estatísticos precisos, proclamou,  “Até que estamos vivendo bons tempos atualmente”, explicando depois, “na Roma antiga, os filhos era propriedade dos pais, na Grécia eram propriedade do Estado, os hebreus não podiam mata-los mas podiam vendê-los”. E foi ao ponto: “somos precursores de uma lei muito moderna, o Estatuto da Criança e do Adolescente”. Ainda assim frisou, “agora que a lei foi regulamentada, falta implementar esta lei”. Rotulando que não pode-se combater câncer usando band-aid, Arnaldo esclareceu as diversas possibilidades de uso da lei, inclusive com medidas sócio-educativas, se fosse aplicada na prática: “o aumento da pena para crimes hediondos foi aplicado e foi um fracasso”, apontou.
Deliberando com argumentos ricamente baseados em dados reais, os debatedores, assim como o público participante (participante mesmo, com várias questões problemáticas sendo trazidas à tona!), no fim ficamos todos com a certeza (agora explicitada de maneira quase didática), de que a redução da maioridade penal – se aprovada – será um grande retrocesso nas conquistas sociais que o Brasil tem avançado nas últimas décadas. O sistema precisa de muitas correções de rota, nisso todos concordam. Contudo, é preciso, como quer Arnaldo, que o jovem não seja tratado como assunto policial mas sim como ser social. Corremos sempre o risco – preconizado por Analice – de que a fatura dessa conta seja paga sempre pelo jovem pobre, preto e periférico. Pois, como disse Marcel em dado momento, “só quem vai preso é filho de preso”. É preciso muita lucidez para equilibrar essa conta.


Escobar Franelas

Foto de Lígia Regina

Arte de Manogon





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