sexta-feira, 20 de junho de 2014

Sarau - substantivo e verbo de ação

Gilberto Braz, Poeta de muitos recursos (foto Ligia Regina)
Na CA todos são tudo: Sueli Kimura, gestora do espaço, também fotografa (foto Luka Magalhães)
Akira Yamasaki e Osvaldo Higa, Poeta e Poeta (foto Luka Magalhães)
Grupo Diotespissio, adolescente na idade, jovem no espírito, adulto na performance (foto Ligia Regina)
Homens da Caverna, banda inspirada e inspiradora (foto Ligia Regina)


O devaneio poético é um dos mais profundos alargadores sensoriais no êxtase humano. No momento em que lemos (ou ouvimos, ou lembramos) a poesia, ela penetra no interior da gente como uma lava quente, um torvelinho incontido, um irresistível canto de sereia que modifica o ser, transforma o gesto, irradia uma luz sobre pontos obscuros do espírito. A arte nem tinha esse propósito em suas bases, porém, a capacidade do homem de pensar sobre si, sobre os outros e sobre o meio, faz com que a arte nasça e viva dessas flores efêmeras: o exato instante em que a pessoa é catapultada para outra esfera, pelo poder persuasivo de sua sensibilidade e beleza.
Entro nessa seara porque com essa onda de saraus à solta por aí, encontramos embasamento para pensar que essa cultura (a dos saraus) recupera traços que se contrapõem à massificação da indústria cultural. Sarau é, por sua própria natureza, heterogêneo, improviso, lírico, dramático, humano. Todo sarau tem seu próprio ritual. E a Casa Amarela, espaço cultural sediado em São Miguel, zona leste de São Paulo, tem o seu. Organizado desde 2011 por Akira Yamasaki, poeta e produtor, o evento é um reduto de resistência e excelência poética. No último domingo, dia 15, mesmo com jogo da Argentina pela Copa do Mundo, mesmo sendo período de férias – quando muitos viajam – ainda assim a Casa recebeu um bom público para sua degustação mensal de pepitas poéticas.
Akira principiou cantando (pela primeira vez passei por essa experiência de ouvi-lo ensaiando um “larari larará” lento, arfante, emocionado, emocionante), o que já indicava o grau de ineditismo da festa. Logo após, ele foi sucedido pelo escritor e jornalista Osvaldo Higa, que trazia a terceira parte de sua trilogia literária, o romance “Transmutação”, para ser lançado na Casa Amarela. Obra requintada, esse novo texto de Higa é o fecho de ouro de um artista comprometido com sua arte, seu tempo e seu povo. A terceira novidade do sarau era a presença da banda Homens da Caverna (Samara Oliveira – voz, Bruno Morelatto – voz e guitarra, Luciano Luthier – voz e violão, Erickson Almeida – percussão e Jéssica Nunes – percussão, teclado e sanfona), que trouxe para o sarau seu som peculiar e cheio de nuances. Mesclando ritmos diversos do Brasil e até de outros países, a banda faz um som “moreno”, gingado e malemolente. Outra atração desse domingo especial era o grupo teatral Diotespissio (Tayla Fernandes, PC Baco, Natasha Matos, Lucas Laureno, João Carlos Pinto e Bianca Fina). Ex- residente da CA, os "idiotas do hospício" ou "outro hospício" (como também já foram apelidados), trouxeram para o sarau um pequeno esquete baseado em histórias de São Miguel que estão preparando para correr o circuito, após o sucesso da primeira peça que encenaram, Nozland, de 2012.
Juntos com essas “atrações especiais”, desfilaram no microfone da Casa a fina flor que já freqüenta o espaço: Seh M. Pereira, Alexandre Santo, João Caetano do Nascimento, Santiago Dias, Lígia Regina e Éder Lima, Escobar Franelas, Carlos Bacelar e Rosa Rocha, Luka Magalhães, Gilberto Braz, Paulo Gonçalves e Vlado Lima, que trouxe sua carpintaria poético-musical, além da musa e filha para uma jam-session que foi além do seu humor contagiante e natural. Vlado dessa vez leu um emocionante poema dedicado ao filho. Para completar a festa, o palco amarelo também recebeu a carismática visita de José Severino Pessoa, escritor que está circulando nas quebradas para divulgar seu livro de memória, “Esta é Minha História”. Simpático e bem humorado, aos 67 anos o autor contou um pouco de sua vida, que estão relatadas no texto, afirmando também que tomou gosto pela coisa e já está escrevendo uma nova obra.
Revitalizados, depois da goleada que a CA enfiou na Argentina, saímos pra noite fria, felizes, cantantes, já antevendo o próximo sarau, que no dia 20 de julho receberá a visita personalíssima de Adriane Garcia, poeta de Minas Gerais. Até lá, o jeito é se enfronhar debaixo dos lençóis e edredons na companhia de diversas obras ofertados na banquinha da Casa, tomando um chá ou café bem quente, ou então visitar outros saraus na região e torcer por outra goleada do Brasil (se possível contra a Argentina), em 13 de julho. No dia do rock, quem sabe o tango dance samba?

(Escobar Franelas)
João Caetano ganhando autógrafo de Higa. De Poeta para Poeta (foto Lígia Regina)
Público do sarau (foto Luka Magalhães)
Santiago dias, Poeta de muitas palavras (foto Luka Magalhães)

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