terça-feira, 3 de junho de 2014

Não dá para controlar esse Blá-blá-blá

Por Luka Magalhães.

No último sábado, dia 31/05, nossa Casa Amarela realizou mais um Blá-blá-blá, uma roda de conversas que promove a discussão sobre a arte na periferia e as políticas de incentivos culturais, um evento que realmente valeu a pena participar.

Nessa edição do evento tivemos a presença de Ronelson Martins, representando a Comunidade Samba Jorge, entidade que promove a inserção sociocultural por meio do futebol e do samba. Com palavras simples, Martins nos contou um pouco da trajetória da entidade, que, tentarei aqui recontá-la.

Em 1952 nascia o time de futebol varzeano “São Jorge”, um dos mais antigos da região de São Miguel
A.R.C São Jorge de São Miguel Paulista, desde 1952.
Paulista, recordista em permanência no “Desafio ao Galo”, torneio onde os times da várzea se enfrentavam e que, enquanto a equipe fosse ganhando as partidas continuava na disputa. Segundo Ronelson o São Jorge permaneceu por vinte e duas rodadas seguidas no campeonato. Após o futebol, a roda de samba começava com a alegria e a partir dessa união o espírito de comunidade foi crescendo. Com o passar dos anos algumas pessoas tiveram de mudar do bairro e para não perder o contato, decidiram se encontrar mensalmente e em 14 de junho irão realizar o 81º Encontro com a Comunidade.

Acredito que nesse ponto de meu relato, uma pergunta está começando a surgir: “O que isso tem de importante?” principalmente porque muitos grupos fazerem o mesmo. Concordo que à primeira vista parece só mais uma história de como uma roda de samba surgiu, porém o que diferencia a trajetória da Comunidade Samba Jorge das outras histórias são as atitudes que os participantes assumiram de acordo com o que acontecia com seus amigos.

Comunidade Samba Jorge.
Por diversas vezes, alguns amigos que haviam se mudado não tinham condições financeiras de comparecer ao encontro. Para que o grupo pudesse se reunir, começaram a realizar a “vaquinha” para garantir a presença de todos. Dessa atitude nasceu a ideia de se manter a arrecadação e revertê-la em cestas básicas para os moradores da região que se encontravam em dificuldade.

Em outro momento, alguns membros começaram a usar drogas ilícitas. Entre expulsar do grupo, ou tentar ajudar o amigo a se livrar do vício, é claro que a comunidade optou por oferecer a ajuda. Segundo o relato de Ronelson, o grupo buscou por informações e em vez de confrontar os amigos, vítimas das drogas, diretamente, simplesmente abordavam os assuntos durante conversas, tentando fazem com que as pessoas se conscientizassem de seu problema. Como uma flecha certeira a estratégia atingiu seu alvo. A partir daí a Comunidade passou a realizar diversas campanhas e cada vez mais se fazer presente no cenário cultural.

Mas como sabemos, sempre teremos os oportunistas. Políticos de plantão sempre surgem do nada para se
Ronelson Martins
 aproveitarem de ações sociais que estão dando certo e insinuar que, se não fossem eles (os políticos) nada ali teria acontecido. Daí veio a resistência da Comunidade em aceitar tal tipo de ajuda. Com um entendimento de que certas pessoas não dão nada de graça, havia sempre a pergunta “O que ele quer de volta?” e isso propiciou com que a Comunidade não tivesse vínculo político ou partidário, realizando um trabalho sem o chamado “rabo preso”. Da mesma forma trataram os empresários do “capeta”, que se ofereciam para gerenciar o grupo, de forma com que o grupo seria extorquido, sacaneado e menosprezado em seu valor.

A história da Comunidade Samba Jorge nos encanta, pois podemos ver como uma ação social pode ser construída a partir de iniciativas simples, como possibilitar que um amigo compareça ao encontro, ou ajudar outro que se enveredou pelo caminho das drogas e tornar essas ações maiores do que jamais foi imaginado. Ações como essa merecem e devem ser divulgadas. Atualmente a Comunidade realiza palestras antidrogas, de conscientização sobre o câncer, campanhas de agasalhos, brinquedos, páscoa, natal, promove o acesso ao esporte por meio do time “ARC São Jorge”, incentiva a produção musical voltada ao samba de raiz e do Bloco Carnavalesco, mantém outra ação social na cidade de Suzano, onde promove a inserção digital.

E tudo isso nasceu na simples vontade de ajudar um amigo. Para saber um pouco mais da Comunidade Samba Jorge, basta clicar em Samba Jorge.

Parabéns a todos da Comunidade Samba Jorge pelo trabalho, cuja história me faz (novamente) citar Geraldo Vandré, em uma canção pouco conhecida, mas que diz algo das ações que essa gente boa vem fazendo a tanto tempo.




Porta Estandarte

Olha que a vida tão linda se perde em tristezas assim
Desce o teu rancho cantando essa tua esperança sem fim
Deixa que a tua certeza se faça do povo a canção
Pra que teu povo cantando teu canto ele não seja em vão



Eu vou levando a minha vida enfim
Cantando e canto sim
E não cantava se não fosse assim
Levando pra quem me ouvir



Certezas e esperanças pra trocar
Por dores e tristezas que bem sei
Um dia ainda vão findar
Um dia que vem vindo
E que eu vivo pra cantar
Na Avenida girando, estandarte na mão pra anunciar.


Geraldo Vandré


VAI BRASIL!




Luka Magalhães é analista de sistemas e nas horas vagas escreve poesia, contos e peças teatrais. Ministra a palestra “Eu nas relações interpessoais”, que trata do comportamento individual em situações cotidianas. Administra a página Eu Recomendo, no Facebook , que divulga os eventos culturais que acontecem principalmente na Zona Leste de São Paulo, e também os artistas populares que circulam pelo país.


Obs.: Resenha originalmente publicada na Coluna SP: Zona Leste, do blog da editora Nova Alexandria. Essa coluna é publicada toda terça, com assuntos relevantes da cultura produzida na zona leste. 

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