Gilberto Braz, Poeta de muitos recursos (foto Ligia Regina) |
Na CA todos são tudo: Sueli Kimura, gestora do espaço, também fotografa (foto Luka Magalhães) |
Akira Yamasaki e Osvaldo Higa, Poeta e Poeta (foto Luka Magalhães) |
Grupo Diotespissio, adolescente na idade, jovem no espírito, adulto na performance (foto Ligia Regina) |
Homens da Caverna, banda inspirada e inspiradora (foto Ligia Regina) |
O devaneio poético é um dos mais profundos alargadores sensoriais no
êxtase humano. No momento em que lemos (ou ouvimos, ou lembramos) a poesia, ela
penetra no interior da gente como uma lava quente, um torvelinho incontido, um irresistível
canto de sereia que modifica o ser, transforma o gesto, irradia uma luz sobre
pontos obscuros do espírito. A arte nem tinha esse propósito em suas bases,
porém, a capacidade do homem de pensar sobre si, sobre os outros e sobre o
meio, faz com que a arte nasça e viva dessas flores efêmeras: o exato instante em que a
pessoa é catapultada para outra esfera, pelo poder persuasivo de sua sensibilidade
e beleza.
Entro nessa seara porque com essa onda de saraus à solta por aí,
encontramos embasamento para pensar que essa cultura (a dos saraus) recupera
traços que se contrapõem à massificação da indústria cultural. Sarau é, por sua
própria natureza, heterogêneo, improviso, lírico, dramático, humano. Todo sarau
tem seu próprio ritual. E a Casa Amarela, espaço cultural sediado em São Miguel, zona leste
de São Paulo, tem o seu. Organizado desde 2011 por Akira Yamasaki, poeta
e produtor, o evento é um reduto de resistência e excelência poética. No último
domingo, dia 15, mesmo com jogo da Argentina pela Copa do Mundo, mesmo sendo
período de férias – quando muitos viajam – ainda assim a Casa recebeu um bom
público para sua degustação mensal de pepitas poéticas.
Akira principiou cantando (pela primeira vez passei por essa experiência
de ouvi-lo ensaiando um “larari larará” lento, arfante, emocionado, emocionante), o
que já indicava o grau de ineditismo da festa. Logo após, ele foi sucedido pelo
escritor e jornalista Osvaldo Higa, que trazia a terceira parte de sua trilogia
literária, o romance “Transmutação”, para ser lançado na Casa Amarela. Obra
requintada, esse novo texto de Higa é o fecho de ouro de um artista
comprometido com sua arte, seu tempo e seu povo. A terceira novidade do sarau
era a presença da banda Homens da Caverna (Samara Oliveira – voz, Bruno
Morelatto – voz e guitarra, Luciano Luthier – voz e violão, Erickson Almeida –
percussão e Jéssica Nunes – percussão, teclado e sanfona), que trouxe para o
sarau seu som peculiar e cheio de nuances. Mesclando ritmos diversos do
Brasil e até de outros países, a banda faz um som “moreno”, gingado e malemolente.
Outra atração desse domingo especial era o grupo teatral Diotespissio (Tayla Fernandes, PC Baco,
Natasha Matos, Lucas Laureno, João Carlos Pinto e Bianca Fina). Ex- residente
da CA, os "idiotas do hospício" ou "outro hospício" (como também já foram apelidados), trouxeram para o sarau um pequeno esquete baseado em histórias de
São Miguel que estão preparando para correr o circuito, após o sucesso da
primeira peça que encenaram, Nozland, de 2012.
Juntos com essas “atrações especiais”, desfilaram no microfone da Casa a
fina flor que já freqüenta o espaço: Seh M. Pereira, Alexandre Santo, João
Caetano do Nascimento, Santiago Dias, Lígia Regina e Éder Lima, Escobar
Franelas, Carlos Bacelar e Rosa Rocha, Luka Magalhães, Gilberto Braz, Paulo Gonçalves
e Vlado Lima, que trouxe sua carpintaria poético-musical, além da musa e filha para uma jam-session que foi além do seu humor contagiante e natural. Vlado dessa vez leu um emocionante poema dedicado ao filho. Para completar a festa, o palco amarelo também recebeu a
carismática visita de José Severino Pessoa, escritor que está circulando nas
quebradas para divulgar seu livro de memória, “Esta é Minha História”. Simpático
e bem humorado, aos 67 anos o autor contou um pouco de sua vida, que estão relatadas
no texto, afirmando também que tomou gosto pela coisa e já está escrevendo uma nova obra.
Revitalizados, depois da goleada que a CA enfiou na Argentina, saímos pra
noite fria, felizes, cantantes, já antevendo o próximo sarau, que no dia 20 de
julho receberá a visita personalíssima de Adriane Garcia, poeta de Minas Gerais.
Até lá, o jeito é se enfronhar debaixo dos lençóis e edredons na companhia de diversas obras ofertados na
banquinha da Casa, tomando um chá ou café bem quente, ou então visitar outros saraus na região e torcer por outra goleada
do Brasil (se possível contra a Argentina), em 13 de julho. No dia do rock, quem
sabe o tango dance samba?