Grafite de Punky Além da lenda |
Grafite de Punky Além da Lenda |
Criação e arte gráfica de Luka Magalhães |
A Casa
Amarela, um espaço cultural fincado numa vila em S. Miguel , periferia de
São Paulo, é um local de eventos culturais. Pequena em tamanho mas gigante em
acomodação fraterna, a CA, mais do que celebrar unicamente a arte, celebra ali a
Arte do encontro, a Arte da vida enquanto pulsação viva, a Arte que postula a
independência do homem. Todas as Artes – ou tudo aquilo que você, leitor,
entender que é Arte. Se todas as propostas que envolvem as ações humanas celebram
o lucro, pleiteiam a vitória (logo, portanto, a derrota de alguém), instauram
as relações de poder através das divisas entre os indivíduos, acho
compreensível que um local que seja o contrário disso tudo. Um espaço que reúna
pessoas exclusivamente para fruir algo em comum – no caso, a deusa Arte – e que
seja reverenciado e referenciado como inovador e renovador da vida. Minha
ousadia aqui é dizer que a Casa Amarela é isto. É isso.
Pra ficar num
exemplo da agenda mais recente, alguns eventos sintetizam essa experiência que
aqui tento explicar meio em vão, pois ela (a sensação vivida) é mais forte,
intensa, fluida e doce que qualquer menção ou palavra que possa ser dita. O
melhor da Arte é a fruição e não sua explicação, bem sabemos disso. O primeiro
exemplo que recorto foi o último sarau ocorrido, no dia 13 de setembro, um
domingo que ficou curto diante de tanta oferta boa que pudemos desfrutar no
exíguo espaço pra tanta gente que se propôs a ter um fim de tarde de domingo
para cultuar o espírito poético que vaga ali. O sarau da CA traz sempre um ou
mais convidados especiais, que são os artistas que terão, na data acordada, um
tempo maior para contar de suas vidas e suas carreiras. No sarau que comento
agora, os convidados eram o performático cordelista e ator Costa Senna e o excelente
músico e cantor Carlos Bacelar. Além disso, a escritora Andréia Gonçalves
Garcia, de Suzano, lançava seu livro “A Viajante do Trem”, um apanhado de
crônicas que contam, na maioria das vezes de maneira bem humorada, o dia a dia
de quem pega o trem “suburbão” na Sampalândia, mas pode ser em qualquer grande
metrópole. Enredos leves, que são uma delícia de se ler, se possível, dentro de
um trem lotado saído de Guaianases para a Estação da Luz. E mesmo com essa nata
exposta, em todos os saraus 70% do tempo é
de microfone aberto, franqueado ao público presente. Qualquer um que
queria mandar sua poesia, declamar, contar “um causo”, atuar, cantar ou tocar,
é só chegar e dar o nome para a Lígia e aguardar a vez do Akira chamar. Não tem
erro.
Sarau lotado,
o evento começa antes das 4 da tarde e avança até quase nove da noite. Pode
isso? Claro que pode! A Arte ensina, empiricamente, como pode ser, inclusive, a
prática democrática nesses tempos duros que vivemos. Aula de boa política
enquanto um verso é recitado “in loco”. Sem grana alguma, a nossa prepotência
poética nos faz acreditar que fazemos alguma diferença, pequenina que seja.
...
Menos de uma
semana depois a Casa, depois de quase um ano sem um único espetáculo teatral, tem
sua programação alterada com a leitura cênica de uma peça escrita por um dos
colaboradores do espaço, Luka Magalhães. “Ascensão, Apogeu e Queda de Um Homem
Qualquer” é um texto denso, irônico, de sublimação. E a atuação de Luka,
catártica, não deixa dúvidas que a montagem do espetáculo deve ser “pra ontem”.
Antes, porém, outro colaborador da CA, o artista gráfico, escritor e também
ator, apresentou-nos um pequeno esquete baseado numa música que fez muito
sucesso na voz de Antônio Marcos, “Sonho de Um Palhaço”. Dois momentos, dois
apontamentos de caminho numa mesma noite. Na discussão posterior às apresentações,
ficou claro o interesse do público ali presente que essas ações não se
encerrem, antes, que continuem se perpetuando em novas idéias e novos afazeres.
Temos
comentado sempre que há uma lava incandescente represada em todo o universo,
independente da condição periférica ou central. E quando temos locais – como a
Casa Amarela – que permitem a erupção poética sem obstáculos, entendemos que
há, sim, novos caminhos e possibilidades.
O que nos
basta é afirmar. E fazer o que for preciso. Desde os tempos de Van Gogh (ou até
antes, quem saberá?), as casas amarelas andam aprontando das suas.
Mais
informações:
Escobar Franelas
Akira, em foto de EF |
Andréia G. Garcia, em foto de seu arquivo pessoal |
Bacelar, em foto de EF |
Costa Senna, em foto de Sueli Kimura |
Luka Magalhães, em foto de Soraia Milena |
Manogon, em foto de Luka Magalhães |
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