quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A Casa Amarela - De Arles a São Miguel Paulista

Grafite de Punky Além da lenda

Grafite de Punky Além da Lenda
Criação e arte gráfica de Luka Magalhães

A Casa Amarela, um espaço cultural fincado numa vila em S. Miguel, periferia de São Paulo, é um local de eventos culturais. Pequena em tamanho mas gigante em acomodação fraterna, a CA, mais do que celebrar unicamente a arte, celebra ali a Arte do encontro, a Arte da vida enquanto pulsação viva, a Arte que postula a independência do homem. Todas as Artes – ou tudo aquilo que você, leitor, entender que é Arte. Se todas as propostas que envolvem as ações humanas celebram o lucro, pleiteiam a vitória (logo, portanto, a derrota de alguém), instauram as relações de poder através das divisas entre os indivíduos, acho compreensível que um local que seja o contrário disso tudo. Um espaço que reúna pessoas exclusivamente para fruir algo em comum – no caso, a deusa Arte – e que seja reverenciado e referenciado como inovador e renovador da vida. Minha ousadia aqui é dizer que a Casa Amarela é isto. É isso.
Pra ficar num exemplo da agenda mais recente, alguns eventos sintetizam essa experiência que aqui tento explicar meio em vão, pois ela (a sensação vivida) é mais forte, intensa, fluida e doce que qualquer menção ou palavra que possa ser dita. O melhor da Arte é a fruição e não sua explicação, bem sabemos disso. O primeiro exemplo que recorto foi o último sarau ocorrido, no dia 13 de setembro, um domingo que ficou curto diante de tanta oferta boa que pudemos desfrutar no exíguo espaço pra tanta gente que se propôs a ter um fim de tarde de domingo para cultuar o espírito poético que vaga ali. O sarau da CA traz sempre um ou mais convidados especiais, que são os artistas que terão, na data acordada, um tempo maior para contar de suas vidas e suas carreiras. No sarau que comento agora, os convidados eram o performático cordelista e ator Costa Senna e o excelente músico e cantor Carlos Bacelar. Além disso, a escritora Andréia Gonçalves Garcia, de Suzano, lançava seu livro “A Viajante do Trem”, um apanhado de crônicas que contam, na maioria das vezes de maneira bem humorada, o dia a dia de quem pega o trem “suburbão” na Sampalândia, mas pode ser em qualquer grande metrópole. Enredos leves, que são uma delícia de se ler, se possível, dentro de um trem lotado saído de Guaianases para a Estação da Luz. E mesmo com essa nata exposta, em todos os saraus 70% do tempo é  de microfone aberto, franqueado ao público presente. Qualquer um que queria mandar sua poesia, declamar, contar “um causo”, atuar, cantar ou tocar, é só chegar e dar o nome para a Lígia e aguardar a vez do Akira chamar. Não tem erro.
Sarau lotado, o evento começa antes das 4 da tarde e avança até quase nove da noite. Pode isso? Claro que pode! A Arte ensina, empiricamente, como pode ser, inclusive, a prática democrática nesses tempos duros que vivemos. Aula de boa política enquanto um verso é recitado “in loco”. Sem grana alguma, a nossa prepotência poética nos faz acreditar que fazemos alguma diferença, pequenina que seja.
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Menos de uma semana depois a Casa, depois de quase um ano sem um único espetáculo teatral, tem sua programação alterada com a leitura cênica de uma peça escrita por um dos colaboradores do espaço, Luka Magalhães. “Ascensão, Apogeu e Queda de Um Homem Qualquer” é um texto denso, irônico, de sublimação. E a atuação de Luka, catártica, não deixa dúvidas que a montagem do espetáculo deve ser “pra ontem”. Antes, porém, outro colaborador da CA, o artista gráfico, escritor e também ator, apresentou-nos um pequeno esquete baseado numa música que fez muito sucesso na voz de Antônio Marcos, “Sonho de Um Palhaço”. Dois momentos, dois apontamentos de caminho numa mesma noite. Na discussão posterior às apresentações, ficou claro o interesse do público ali presente que essas ações não se encerrem, antes, que continuem se perpetuando em novas idéias e novos afazeres.
Temos comentado sempre que há uma lava incandescente represada em todo o universo, independente da condição periférica ou central. E quando temos locais – como a Casa Amarela – que permitem a erupção poética sem obstáculos, entendemos que há, sim, novos caminhos e possibilidades.
O que nos basta é afirmar. E fazer o que for preciso. Desde os tempos de Van Gogh (ou até antes, quem saberá?), as casas amarelas andam aprontando das suas.

Mais informações:


Escobar Franelas

Akira, em foto de EF

Andréia G. Garcia, em foto de seu arquivo pessoal

Bacelar, em foto de EF

Costa Senna, em foto de Sueli Kimura

Luka Magalhães, em foto de Soraia Milena
Manogon, em foto de Luka Magalhães

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