sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Noites Dionisíacas

Livreto do monólogo distribuído no evento
Era uma noite paulistana quase comum. Uma sexta qualquer, uma noite qualquer, depois de um expediente comum a todos os outros dias. Afinal, tudo seguia na mesma. A cidade virou um caos com o quase inerte trânsito costumeiro. Os ônibus circulando abarrotados, o que diminuía as chances de uma viagem tranquila, mesmo com a facilidade da faixa exclusiva. Metrô e trem lotados. Euforia para se preparar para as baladas. Sampa na correria de sempre. Mas, naquela sexta, 19 de setembro, porém, as coisas eram um pouco diferentes. No meio do caminho havia uma casa, uma Casa Amarela.
A ordem do dia era um compromisso com a arte, uma reverência a Dionísio e à magia do fazer teatral. Uma noite dedicada a mais uma vertente artística dentro da Casa Amarela. Vertente não inédita por lá, é bom que se diga, pois a Casa Amarela iniciou seus trabalhos por meio de intervenções cênicas, de pesquisa, oficina e encenação com o Grupo Teatral Alucinógeno Dramático, o qual segue outros promissores caminhos agora, mas é lembrado ainda como um dos expoentes culturais na seara artística da região e com prestígio pelos frequentadores da Casa Amarela.
O evento, batizado temporariamente (ou não, como diria Caetano) como “Sextas Cênicas”, vinha sendo costurado há algum tempo, em conversas de boteco entre Akira Yamasaki, Sueli Kimura, Escobar Franelas, Luka Magalhães e eu, Manogon. Entre bons goles de café (diria garrafas), biscoitos e viagens mil, decidimos colocar à prova a proposta. Como pontapé inicial, em busca de um formato adequado à Casa e viável aos visitantes/frequentadores, diretamente do baú literário de Luka Magalhães, foi marcada a leitura cênica do monólogo “Ascensão, Apogeu e Queda de um Homem Qualquer”.
Manogon dando os últimos toques na maquiagem
 Expectativa e ansiedade, comuns a toda estreia. O público compareceu, embora maior na qualidade que na quantidade, devido a uma série de outros eventos e as dificuldades rotineiras da cidade e adequação de agendas. Papo costumeiro entre os presentes, com direito a café feito pela Sueli, torta de Luka e biscoitos providenciados pelo Escobar. Tudo pronto! Mas antes da leitura da peça, que era o prato principal, um aperitivo: uma performance feita por mim para a canção de Antônio Marcos, Sonho de um Palhaço. A esquete montada foi uma mistura, com pitadas de musical, interpretação e pantomimas, explorando o drama relatado na música. Sete minutos que ajudaram a preparar o clima para a entrada marcante de convidado especial.
Pronto para entrar em cena
Luka Magalhães subiu ao tablado e com mestria começou a expor a beleza de seu texto. Nas palavras de Escobar, um “texto denso, irônico, de sublimação”. A interpretação empregada por Luka para a leitura do monólogo ajudou o público a entrar na história desse homem qualquer. Dividido em três tempos bem definidos, as agruras e satisfações da personagem em sua obsessão de Querer, Ter e Perder, uma busca constante de superação das angústias e sede por vingança por quem o fez sofrer. Mas seria isso mesmo? Seria essa a sua vontade? Um personagem completo e complexo, o que nos fez imaginar e desejar uma montagem digna e com tudo a que tem direito, para um tempo e espaço não distantes.
Emoção na leitura de Luka Magalhães
Após as apresentações aconteceu, com muita descontração, um bate-papo sobre o entendimento do público, as percepções sobre o evento, o desejo que essa iniciativa se repita, ao menos uma vez por mês, numa sexta pré-determinada e também sobre projetos que envolvam as artes cênicas.
O que se pode colher do público é que eventos como esse serão bem-vindos, que a Casa Amarela cumpre com seu papel de fomentar a efervescência artística, que outros textos podem ser lidos, outras cenas devem ser exploradas e outros artistas têm de ser convidados a mostrar sua arte no tablado ou cômodos da Casa Amarela.
Lendo e interpretando o monólogo
Enfim, ficou (e oxalá sempre fique) um gostinho de quero mais...
Aguardem e acompanhem!

Enquanto isso, dia 27 de setembro, sábado, tem mais um BláBláBlá, com outras abordagens sobre o tema Literatura Marginal.
E dia 11 de outubro, domingo, mais uma edição do Sarau da Casa Amarela.
Compareçam para prestigiar e levem sua arte.

Por Manoel Gonçalves (Manogon)

Esse texto foi originalmente publicado na coluna semanal da Casa Amarela no blog da editora Nova Alexandria.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A Casa Amarela - De Arles a São Miguel Paulista

Grafite de Punky Além da lenda

Grafite de Punky Além da Lenda
Criação e arte gráfica de Luka Magalhães

A Casa Amarela, um espaço cultural fincado numa vila em S. Miguel, periferia de São Paulo, é um local de eventos culturais. Pequena em tamanho mas gigante em acomodação fraterna, a CA, mais do que celebrar unicamente a arte, celebra ali a Arte do encontro, a Arte da vida enquanto pulsação viva, a Arte que postula a independência do homem. Todas as Artes – ou tudo aquilo que você, leitor, entender que é Arte. Se todas as propostas que envolvem as ações humanas celebram o lucro, pleiteiam a vitória (logo, portanto, a derrota de alguém), instauram as relações de poder através das divisas entre os indivíduos, acho compreensível que um local que seja o contrário disso tudo. Um espaço que reúna pessoas exclusivamente para fruir algo em comum – no caso, a deusa Arte – e que seja reverenciado e referenciado como inovador e renovador da vida. Minha ousadia aqui é dizer que a Casa Amarela é isto. É isso.
Pra ficar num exemplo da agenda mais recente, alguns eventos sintetizam essa experiência que aqui tento explicar meio em vão, pois ela (a sensação vivida) é mais forte, intensa, fluida e doce que qualquer menção ou palavra que possa ser dita. O melhor da Arte é a fruição e não sua explicação, bem sabemos disso. O primeiro exemplo que recorto foi o último sarau ocorrido, no dia 13 de setembro, um domingo que ficou curto diante de tanta oferta boa que pudemos desfrutar no exíguo espaço pra tanta gente que se propôs a ter um fim de tarde de domingo para cultuar o espírito poético que vaga ali. O sarau da CA traz sempre um ou mais convidados especiais, que são os artistas que terão, na data acordada, um tempo maior para contar de suas vidas e suas carreiras. No sarau que comento agora, os convidados eram o performático cordelista e ator Costa Senna e o excelente músico e cantor Carlos Bacelar. Além disso, a escritora Andréia Gonçalves Garcia, de Suzano, lançava seu livro “A Viajante do Trem”, um apanhado de crônicas que contam, na maioria das vezes de maneira bem humorada, o dia a dia de quem pega o trem “suburbão” na Sampalândia, mas pode ser em qualquer grande metrópole. Enredos leves, que são uma delícia de se ler, se possível, dentro de um trem lotado saído de Guaianases para a Estação da Luz. E mesmo com essa nata exposta, em todos os saraus 70% do tempo é  de microfone aberto, franqueado ao público presente. Qualquer um que queria mandar sua poesia, declamar, contar “um causo”, atuar, cantar ou tocar, é só chegar e dar o nome para a Lígia e aguardar a vez do Akira chamar. Não tem erro.
Sarau lotado, o evento começa antes das 4 da tarde e avança até quase nove da noite. Pode isso? Claro que pode! A Arte ensina, empiricamente, como pode ser, inclusive, a prática democrática nesses tempos duros que vivemos. Aula de boa política enquanto um verso é recitado “in loco”. Sem grana alguma, a nossa prepotência poética nos faz acreditar que fazemos alguma diferença, pequenina que seja.
...
Menos de uma semana depois a Casa, depois de quase um ano sem um único espetáculo teatral, tem sua programação alterada com a leitura cênica de uma peça escrita por um dos colaboradores do espaço, Luka Magalhães. “Ascensão, Apogeu e Queda de Um Homem Qualquer” é um texto denso, irônico, de sublimação. E a atuação de Luka, catártica, não deixa dúvidas que a montagem do espetáculo deve ser “pra ontem”. Antes, porém, outro colaborador da CA, o artista gráfico, escritor e também ator, apresentou-nos um pequeno esquete baseado numa música que fez muito sucesso na voz de Antônio Marcos, “Sonho de Um Palhaço”. Dois momentos, dois apontamentos de caminho numa mesma noite. Na discussão posterior às apresentações, ficou claro o interesse do público ali presente que essas ações não se encerrem, antes, que continuem se perpetuando em novas idéias e novos afazeres.
Temos comentado sempre que há uma lava incandescente represada em todo o universo, independente da condição periférica ou central. E quando temos locais – como a Casa Amarela – que permitem a erupção poética sem obstáculos, entendemos que há, sim, novos caminhos e possibilidades.
O que nos basta é afirmar. E fazer o que for preciso. Desde os tempos de Van Gogh (ou até antes, quem saberá?), as casas amarelas andam aprontando das suas.

Mais informações:


Escobar Franelas

Akira, em foto de EF

Andréia G. Garcia, em foto de seu arquivo pessoal

Bacelar, em foto de EF

Costa Senna, em foto de Sueli Kimura

Luka Magalhães, em foto de Soraia Milena
Manogon, em foto de Luka Magalhães

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

POESIA, MÚSICA, TEATRO - assim foi o 27º Sarau da Casa Amarela - Luka Magalhães


     Domingo, 14 de setembro de 2014, quase às dez da noite, após o Sarau, como faço às vezes saí em surdina, não me despedindo dos amigos, para tentar absorver e entender a magnitude do evento. Usar retóricas como “foi maravilhoso”, “lindo demais” não faz jus ao que foi e como foi o 27º Sarau da Casa Amarela. É, como diria Ary Toledo, querer adoçar o açúcar.

     Iniciando com Costa Senna, um dos grandes cordelistas da atualidade, a plateia se desmanchou em gargalhadas com suas histórias e se descobriu que algumas pessoas “não tem aquário em casa” (sic).
     O brilho aumentou com as palavras de Andrea Garcia, a “Viajante do Trem”, que fazia o lançamento do seu livro na casa. Com maestria, ela explicou como foi o caminho até chegar à publicação e leu dois textos encantadores, que nos tornam mais viajantes de trem, metrô, ônibus e tal.
    Outra cereja do bolo, Carlos Bacelar, fez uma entrada triunfal. Cantando “Paz do meu Amor” de Luiz Vieira, distribuiu rosas para o público feminino que se fazia presente. Não bastasse isso, sua voz aveludada transformou o Sarau em um cantinho da floresta amazônica, emudecida pelo canto do uirapuru.

Costa Senna (esquerda) Carlos Bacelar (centro) e Adriana Gonçalves Garcia ( direita)

    Mas não foram somente as três cerejas que enalteceram tal bolo. Tivemos participações incríveis e destaco duas performances que impressionaram todo o público. Pela ordem de apresentação tivemos a primeira visita da “Bandadidois e os Covidados Fixos”, grupo formado por Edson Teles, Welton Santos e Marcos Lucius, que apresentaram “Terno Branco & Vermelho” e “Um Cabaré Pra Duas!”. O sarau estagnou com a performance incrível desses meninos de Guarulhos. Foi uma apresentação tão resplendorosa que nosso anfitrião Akira explodiu em gritos para enaltecer essa performance. A outra grande surpresa aconteceu quando Lika Rosa subiu a nosso pequeno tablado e a força de sua voz fez com que as pessoas que já estavam indo embora, voltassem para presenciá-la e poder vê-la ocupando cada canto da Casa Amarela.

Bandadidois e os Convidados Fixos ( Edson Teles, Welton Santos e Marcus Lucius)

   Outras apresentações se juntaram. Tivemos Akira, Escobar, Janete, Rosinha, Romildo, Beto Rio, Silvio Kono, Tião Baia, Tiveron, Terê Cordeiro, Euflavio Góis, e muitos mais. Em especial a presença da ítalo-brasileira (ou brasilo-italiana) Rosana Crispim, que cruzou o Atlântico e aproveitou para rever as amizades brasileiras e nos presentear com suas poesias.




    Nesse Sarau tivemos um bolo com três cerejas e várias fatias saborosamente deliciadas aos pedaços.