domingo, 27 de julho de 2014

Blablablá: o exercício da arte de dialogar

Buzo, Peçanha e Sacolinha: a mesa de ideias para degustação: eis o Blablablá (foto Landy Freitas)

Um evento que tinha a abertura com a voz de Ligia Regina e o violão certeiro de Eder Lima, tinha tudo para dar certo. E deu. Depois veio a poeta Socorro Nunes, diretamente de Pernambuco. Certo? Certo. Depois Sacolinha, Alessandro Buzo e Érica Peçanha, três ícones daquela que muitos chamam “literatura marginal”, praticada hoje no Brasil. Tinha tudo pra dar certo, certo? O que deu mesmo foi “pano pra manga”, convergências e divergências de opiniões, algumas controvérsias, e muita, muita troca de informação. É assim que nos formamos.
Obrigado, Casa Amarela, por ser, mais uma vez, minha casa, residência, lar, escola e vida... obrigado por nos permitir novamente o espetáculo das inteligências em debate.

A abertura do Blábláblá de julho na CA foi feita de forma singela mas muito pungente por Lígia Regina e Éder Lima, com duas canções/intervenções de profunda envergadura poética. Conquistaram o público logo na abertura do evento. A seguir, a poeta Socorro Nunes, que fazia um rasante pela Sampalândia, convidada pela CA, contou histórias, leu poemas, trocou energias com a plateia. Indicada pela lucidez diplomática do poeta João Caetano do Nascimento, surgiu no espaço como um cometa nos iluminar e aquecer. Numa semana em que já tínhamos tido a rica companhia de poetas de Minas, Santa Catarina, Maranhão e interiores de São Paulo, mais uma vez fomos brindados e confortavelmente tocados pela costura sintática cheia de ritmos dissolutos e imagens matizadas pelo olhar clínico da  poeta radicada em Pernambuco.

Sob o título “Literatura marginal: o que é isso?”, o Blablablá propunha uma discussão da terminologia trazida desde a década de 1970 e que foi reapropriada pelo movimento literário surgido como uma vertente do hip-hop. Pronto, estava armada a cama-de-gato para que Sacolinha, Alessandro Buzo e Érica Peçanha soltassem o verbo no microfone do pequeno tablado. A tarde caminhava pro fim, a noite chegava fria e impetuosa, mas o calor das discussões não permitiram que sequer pensássemos que estamos no inverno, um inverno glacial que nos tritura a pele mas não tira o calor de idéias.
A apresentação dos convidados trouxe à cena o pensamento ímpar de cada um. Todos iniciaram falando de suas histórias de vida e os percursos iniciais na seara literária. Depois, naturalmente, o assunto foi levado ao tema proposto. E se Buzo admitiu que “nunca tive problema com o termo literatura marginal”, Sacolinha realçou a poeticidade do termo, afirmando, “literatura marginal não é perfume, mas a essência da realidade”. Érica pôs as pedras no seu lugar: “foi Ferréz o grande ideólogo deste termo”, e arrematou a seguir, “temos que considerar a estética daquilo que é produzido nos livros e nos saraus”. O tema não se esgotava a partir dessas deduções, mas era visível o quão rico seria continuar a ouvi-los.
A poeta Socorro Nunes, provocada se havia a sensação de marginalidade dos pernambucanos em relação aos centros paulistanos e cariocas, confirmou essa condição. E ampliou as possibilidades de interpretação sobre o que, de fato, pode ser considerado marginal hoje.
Sacolinha, que traz a experiência de seus projetos dentro de escolas e em comunidades socialmente mais vulneráveis na região de Suzano, na Grande São Paulo, comentou que, em se tratando da produção literária entre os freqüentadores de sarau, “falta leitores, o cara participa de sarau e já quer publicar”. Um intenso diálogo foi suscitado entre convidados e o público presente. Enfatizando a importância dessa questão, Érica Peçanha atentou para a complexidade:do assunto: “ele está falando do escritor que está se habilitando para a carreira artística profissional”, disse ela.  Alessandro Buzo reiterou uma verdade latente desse universo: “nem todo mundo que declama vai publicar um livro; e mesmo que lançar o primeiro, nem todos vão perseverar”.
Afirmando que existem mais de 100 trabalhos de graduação sobre a produção chamada periférica ou marginal e pelo menos 36 teses de mestrado ou doutorado versando sobre o mesmo assunto, Érica retomou a palavra convidando a todos para refletirem a importância do momento atual. Buzo comentou que talvez passe a lançar futuros trabalhos por meio de seu próprio selo, pois percebeu que já é visível o profissionalismo no meio, assim como autossuficiência para suprir as demandas, tanto qualitativa quanto quantitativa. Sacolinha, por fim, ensejou a todo aquele que deseja seguir escrevendo: “não desanime de seu primeiro livro, o importante é aprender a ouvir tanto as críticas quanto os elogios”.
Enfim o Blablablá fechou. Foram mais de três horas de rica troca de saberes, histórias e idéias. A equipe da DGT Filmes (Nogueira na câmera e Chantilly na operação de áudio), fez a cobertura do evento para apresentação no quadro mantido pelo Buzo no SPTV, fazendo entrevistas. Todos puderam degustar os livros expostos no espaço da Casa Amarela, assim como apreciar a exposição das esculturas em madeira do também poeta Euflávio Madeirart. Motivos vários para festa na CA.
Somando-se isso tudo aos petiscos e café preparados pelas mãos mágicas da Célia Yamasaki, à “mineirinha” oferecida descaradamente pelo Akira Yamasaki aos convidados que aceitavam dar uma beiçadinha de leve, aos abraços “calientes” de todos os presentes em todos os presentes, aos registros fotográficos de Sueli Kimura, Luka Magalhães e Carlos Bacelar, entre outros, à tuitaria geral do ator e poeta Manogon e à filmagem feitas pelo incansável Big Charlie, blablablamos à vontade. E assim, acreditando sempre na sabedoria dos diálogos, adicionamos também outra coisa que acreditamos saber fazer com qualidade: a cultura do abraço.
Sem receio de ser feliz!

Escobar Franelas
 
A beleza das ideias em ebulição, razão de ser do Blablablá (foto Landy Freitas)
O público sagaz do Blablablá (foto Luka Magalhães)
A poeta Socorro Nunes, "cereja do bolo" do Blablablá de julho na CA (foto Luka Magalhães)
Buzo entrevistando Sacolinha para o SPTV (Foto Andreia Gonçalves Garcia)
Homenagem ao livro, gravação para  quadro do Alessandro buzo no SPTV (foto Luka Magalhães)



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