segunda-feira, 26 de maio de 2014

Chuva em Santo Antonio da Imperatriz

PEQUENA LEITURA DO POEMA “CHUVA EM SANTO AMARO DA IMPERATRIZ" de BIG CHARLIE

Tenho colocado alguns livros de literatura e poesia na cabeceira da minha cama, livros esses que chegam até mim através dos saraus e eventos promovidos na Casa Amarela. Gosto muito leituras pesadas, que coloquem em xeque as várias camadas obscuras do pensamento deixando os gêneros poesia e conto como formas de interlúdio ou ponte entre leituras de enunciados filosóficos. Não que a poesia não esteja contida em textos de maior alcance teórico, para isso basta se entranhar nos melancólicos e angustiados românticos e existencialistas. 
Faço essa introdução para chamar a atenção a um momento que me ocorreu no 23º Sarau da Casa Amarela após a leitura de alguns de seus poemas por Ligia Regina e Akira Yamazaki na abertura do evento, o que me fez ler numa só tacada o livro “Cavalos no Peito” do grande “Big” Carlos Alberto Rodrigues “Charlie” logo ao chegar em casa. Me chamou a atenção especialmente os poemas que se referem às lembranças da outrora pequena cidade, suas lembranças, hábitos cotidianos e imagens acerca de um naturalismo nostálgico. 
No entanto, nesse pequeno texto, faço uma breve leitura de um de seus poemas e o relaciono ao conceito de arte Naif, considerada por muitos como pinturas ingênuas, ou primitivas (do qual discordo) porém, dotadas de uma poesia e um lirismo extremos.

Quando passo os olhos por "Chuva em Santo Amaro da Imperatriz", (P.30 -Ato 13), percebo pinceladas suaves, cores vivazes em alguns trechos e a chuva lavando e suavizando o azul claro em segundo plano dos montes esverdeados num primeiro olhar. Quase ouvimos o som dos tambores e trovões. A imagem do rio seguindo seu caminho desbravando os limites da cidade, lambendo vidros e paredes nos transporta de volta à cidade grande. Ou será que a pequena cidade crescera? Acredito que não. Na linda imagem criada pelas vivas palavras do poema vemos bois, cercas e porteiras junto aos carros e corpos boiando nas águas. A chuva derrama suas lágrimas sobre o leito do rio. No entanto indiferente ao choro incontido do céu cinzento sem que suas águas sejam sempre as mesmas, ele, o rio, prossegue incólume, até o grande encontro mar adentro.

Uma outra cena contrasta com as imagens anteriores. O local? A soleira de uma casa em Santo Amaro da Imperatriz.

"Acordei com a chuva dando na eira
A ressaca me guiou até a beira
Soleira da casa
Cascata de lavar alma
Renove-me pra outra lavada" 

(ATO 12 - Despertar da Tarde. P.30)

Essa pequena pintura feita de palavras abre o caminho para a grande chuva purificadora que viria. O cheiro da terra molhada seria esquecida pela tragedia. Mas a cascata lavaria toda alma. Por inteiro. Ou os arrastaria, a todos, ao rio em sua grande ânsia de mar. Sinto os respingos dessa viagem. A umidade da cena não turva o brilho da pintura-poesia de Carlos Alberto. Cada palavra sua traz a experiencia do novo. Experienciado. Um mundo criado escrito por uma tinta-terra, que como um quadro de Diego Rivera germina sob nossos pés. Os cavalos do nosso peito se tornam alados.
Eder Lima – 25/05/2014

Virado na Virada - Um fim de semana cultural

Olá, caros leitores.

O fim de semana passado, assim como tem sido ultimamente, foi mais uma prova de que os olhos estão voltados ao extremo leste da cidade de São Paulo, como bem diz meu amigo Escobar Franelas, em especial Itaquera e adjacências.

Por conta do primeiro jogo oficial no Estádio Itaquerão, Arena Corinthians, Arena São Paulo, Arena Itaquera, ou seja lá qual for o nome que realmente será dado à nova casa do Timão, tivemos um aporte de jornalistas, torcedores e curiosos em terras nossas. Alguns ali estiveram pela primeira vez. Nesse caso, independente de você ser corinthiano ou não, vale pensar na região não só como fonte de notícia das páginas policiais ou como matéria de uma terra distante e precária. É bem verdade que o estádio em si não trouxe modernidade, mais infraestrutura para o bairro (além de túneis e viadutos), mais investimentos em saúde, educação e moradia. Continuamos com as mesmas dificuldades para atravessar a cidade para trabalhar e com os velhos problemas de outrora. Há muito a melhorar, mas essa exposição é um auxílio para que a população passe a cobrar o melhor uso de seus impostos e o valor de seu voto.

Porém, minha abordagem aqui não é meramente panfletária. É preciso enaltecer também a contribuição cultural da região nesse fim de semana. Cito aqui dois eventos que partilhei: a participação do Sesc Itaquera na 10ª Virada Cultural da Cidade de São Paulo e o 23º Sarau da Casa Amarela de São Miguel Paulista.

A programação do Sesc Itaquera, local de ampla área verde e com diversas atividades de cultura e lazer, começou na noite fria de sábado com um show eletrizante de Edvaldo Santana e banda, que esquentou o público com ritmos que vão de samba e xote a reggae e blues. Edvaldo é egresso de São Miguel Paulista, ex-integrante do grupo Matéria Prima e um dos muitos artistas que formavam o MPA (Movimento Popular de Arte); é uma figura carismática e extremamente conhecida no meio artístico, tendo feito parceria com grandes nomes como Tom Zé, Paulo Leminski, Ademir Assunção, Haroldo de Campos, Arnaldo Antunes, Lenine, Além dos bons e velhos parceiros de MPA. Na sequência da programação do Sesc, Zé Geraldo cantando com sua filha Nô Stopa e participação especial de Chico Lobo, violeiro, cantor e compositor mineiro. Zé Geraldo, por si só, já contagia a massa e faz com que todos cantem seus sucessos, tanto os antigos, porém, com temas ainda atuais, quanto os mais recentes. Nô Stopa cativa pela bela voz, a presença de palco e o carisma. O convidado mineiro Chico Lobo deu um show à parte, extraindo belíssimos acordes de sua viola de 10 cordas. Essa foi a primeira etapa, pois já sabia que viria muito mais no domingo.

Sarau contagiante tem de tudo um pouco, não é mesmo? O 23º Sarau da Casa Amarela de São Miguel foi assim. Desde o início até o fim, desfilando o talento de seus artistas, uma paleta multicor, com texturas e nuances para compor o belo quadro eclético que tão bem representa nossa diversidade cultural, um a um, em grupo ou sozinhos, assumiam a batuta e comandavam o espetáculo naquele palco, que apesar de aparentemente pequeno, se agiganta com a presença do artista. O sarau tinha como pontos centrais o lançamento do livreto de Carlos Rodrigues (Big Charlie), Cavalos no Peito, já comentado aqui por João Caetano do Nascimento; a promoção, por meio de um “segundo” lançamento, do livro de Escobar Franelas, Itaquera: uma breve introdução; e o convidado igualmente especial, Adilson Aragão e Banda, apresentando músicas da Ousados e Seminovos e de outros projetos dos músicos. Adilson relembrou seu tempo de banda de formatura e barzinho, onde tocava todos os gêneros e outros “causos” mais pitorescos. Brindou a todos com músicas que iam de MPB ao rock clássico e blues, fazendo a abertura e o encerramento do evento.

Por aquele cantinho sagrado, com microfone aberto e equipamento a postos, também passaram Big Charlie, Luka Magalhães, Manogon, João Caetano do Nascimento, Ligia Regina e Eder Lima, Arnaldo Bispo, Euflávio, Gilberto Braz, Seh M. Pereira (que trouxe beleza aos olhos e ouvidos com um quadro e poesias de Neuza Ladeira, artista plástica e poeta mineira), Rosinha Morais, Inês Santos (recitando poemas seus e da poeta capixaba Cris de Souza), Punky Além da Lenda, Sacha Arcanjo, Romildo de Souza, Ceciro Cordeiro, Oswaldo Tiveron e Akira Yamasaki.

Por esses motivos, termino esse post com a sensação de que as coisas no extremo leste tendem a melhorar, se não no aspecto estrutural e “desenvolvimentista”, como diria Odorico, ao menos em cultura e lazer. Não se trata de distração para aliviar e sim de cultura para formar, informar e transformar. E que venha dia 30 de maio, com o Sarau da Casa do Chefe, no centro de Itaquera (ao lado do Terminal e do pontilhão da radial), a partir das 19h. E dia 31 tem o BláBláBlá na Casa Amarela, a partir das 16h, com a temática Futebol e Arte, sob a batuta de Escobar Franelas.

* Texto originalmente publicado dia 20/05/2014 na coluna da Zona Leste do Blog da Editora Nova Alexandria, a convite do ilustre Jeosafá Fernandez Gonçalves.

Manoel Gonçalves (Manogon)
Designer gráfico, ator e poeta. Escreveu por dois anos e meio para o blog e site Desabafo de Mãe, como pai convidado, para expor seu ponto de vista sobre a difícil e prazerosa arte de criar e educar as filhas. Participou também de outros blogs literários. Frequenta alguns saraus na grande Sampa. Mantém o blog Coisas de Manogon.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Como foi a virada cultural, quer dizer, o sarau da Casa Amarela

Adilson Aragão: humor a serviço da boa música (foto: EF)
Big Charlie: poesia lírica, densa e debochada em "Cavalos no Peito" (foto: EF)



Mais de meia-noite, tinha chovido à tarde, uma brisa gostosa soprava em nossos rostos e um aroma de ar úmido, terra molhada, subia até os narizes. Eu e Raquel voltávamos do Terminal Rodoviário do Tietê. Tínhamos ido encontrar – apesar do cansaço extremo – a Raíra Moraes, que tinha baixado na Sampalândia para um bate-volta durante a Virada Cultural. Como não conseguimos sincronizar um encontro decente, fomos dar um abraço no momento em que ele embarcava de volta para Beagá. Felizes, contemplávamos uma lua minguante que prenunciava uma segunda-feira tranqüila. Apesar de muitos carros na Rodovia Ayrton Senna e Jacu-Pêssego, um trânsito tranqüilo permitia-nos que ouvíssemos com prazer aveludado “Belém. O Azul e o Raro”, cd que traz a poesia caudalosa de João Jesus Paes Loureiro, alguns musicados por Salomão Habib, um mimo da Raíra pra gente.
Em alguns momentos balbuciávamos palavras. Estávamos enlevados, embriagados pela tarde auspiciosa que tínhamos passado em boa companhia, durante o Sarau da Casa Amarela.
Capitaneado pelo infatigável Akira Yamasaki, e com o suporte luxoso de Sueli Kimura, Celinha Yamasaki, Eder Lima, Ligia Regina e Clarice Yamasaki, o sarau foi um desfile de pratos finos para nossos ouvidos e olhos agradecidos. Pelo palco da CA passaram naquela tarde e noite, Adilson Aragão e sua banda Ousados e Seminovos, Big Charlie, Luka Magalhães, Manogon, João Caetano do Nascimento, Lígia Regina e Éder Lima, Arnaldo Bispo, Euflávio, Gilberto Braz, Seh M. Pereira (exibindo em primeiríssima mão um quadro que ganhou da artista mineira Neuza Ladeira e recitando um poema da mesma), Rosinha Morais (debutando no espaço com belos poemas), Inês Santos (recitando poemas seus e da poeta capixaba Cris de Souza), Punky Além da Lenda (exibindo seu humor sempre cortante e um certo dote violonístico), Sacha Arcanjo (embevecendo o público com uma canja “democrática” de seus maiores sucessos – eu, aliás, escolhi “Boca Aberta”, uma da músicas mais líricas e pungentes do enorme repertório dele e Raberuan), eu, Romildo de Souza, Ceciro Cordeiro, Oswaldo Tiveron (cantando o “Pai Nosso” à capela) e o mestre de cerimônias Akira Yamasaki.
Vale lembrar que o evento era dedicado à obra do risonho Adilson Aragão, cantador de larga data que trouxe sua mini big band, Ousados e Seminovos, preenchendo o diminuto palco com músicas que contemplam gêneros como o rock, a bossa nova e o samba, entre outros. Biscoito fino para a plateia. E São Pedro gostou tanto do que estava acontecendo ali que brindou a Sampalândia todinha com a beleza de suas águas, dando um agradinho de pedras de gelo como brinde.
Antes, a Casa Amarela lançou oficialmente “Cavalos no Peito”, obra poética vertiginosa do Carlos Alberto Rodrigues, o escrachado videomaker "oficial" do espaço, popularmente conhecido como Big Charlie. A poesia do Big é big em todos os aspectos, conforme já relatei na apresentação do libreto. A obra foi criada e conceituada por um conselho editorial criado pelas mente incansável e inspirada de Akira, no qual ele me incluiu junto com Sueli Kimura, Luka Magalhães, João Caetano do Nascimento e Manogon. É a primeira incursão da CA pelo caminho editorial através do selo recém-criado, o Casa Amarela São Miguel Paulista Edições. Breve outras virão à luz.
No entrecho entre a apresentação de Big Charlie e o show de Aragão e banda, convidado por Akira, pude discorrer um pouco sobre o meu trabalho mais recente, “Itaquera – Uma Breve Introdução” (Editora Kazuá), um best-seller doméstico que está me dando muitas alegrias e fazendo com que durma menos que as costumeiras seis horas por noite.
Num fim de semana atípico, com Virada Cultural em Sampa, inauguração da Arena do Corinthians em Itaquera, uma chuva providencial e tanta gente bonita e amiga pra se beijar e abraçar, fica a dúvida se a poesia não estará extrapolando nossos gestos. Fico sempre com a sensação de que a arte mais improvável made in Casa Amarela seja o cultivo de amigos, nesse jardim tão simples que tudo e todos, juntos e misturados, ajudam a semear, colher e distribuir.
O que é fato, porém, é que escrevo essas linhas nessa outonal terça pela manhã, mas ainda profundamente tocado pelas lembranças de um domingo que não termina, aqui em minha memória.
(Escobar Franelas)
CA: espaço para todos os cantos (foto: Raquel Ramos)

Lígia e Eder: fina flor da musicopoesia (foto: Raquel Ramos)

Seh trazendo Neuza Ladeira ao quadrado (foto: EF)

Rosinha Morais debutando no palco da CA (foto: EF)

Inês Santos debutando no palco da CA (foto: EF)

Punky: cultura, história, arte (foto: EF)

Euflávio: outro debutante? (foto: EF)

Sarau da CA: não para, não para, não para (foto: EF)

Sacha e Akira: foto que dispensa legendas (Raquel Ramos)

Tiveron: presente para o sarau (foto: EF)
Do sarau da CA até a rodoviária, 25 km só pra abraçar Raíra (foto: Raquel Ramos)

CA em  movimento (foto: arquivo S. Kimura/A. Yamasaki)
Retrato "oficial" pós-sarau (foto: arquivo S. Kimura/A. Yamasaki)