PEQUENA LEITURA DO POEMA “CHUVA EM SANTO AMARO DA IMPERATRIZ" de BIG CHARLIE
Tenho colocado alguns livros de literatura e poesia na cabeceira da minha cama, livros esses que chegam até mim através dos saraus e eventos promovidos na Casa Amarela. Gosto muito leituras pesadas, que coloquem em xeque as várias camadas obscuras do pensamento deixando os gêneros poesia e conto como formas de interlúdio ou ponte entre leituras de enunciados filosóficos. Não que a poesia não esteja contida em textos de maior alcance teórico, para isso basta se entranhar nos melancólicos e angustiados românticos e existencialistas.
Faço essa introdução para chamar a atenção a um momento que me ocorreu no 23º Sarau da Casa Amarela após a leitura de alguns de seus poemas por Ligia Regina e Akira Yamazaki na abertura do evento, o que me fez ler numa só tacada o livro “Cavalos no Peito” do grande “Big” Carlos Alberto Rodrigues “Charlie” logo ao chegar em casa. Me chamou a atenção especialmente os poemas que se referem às lembranças da outrora pequena cidade, suas lembranças, hábitos cotidianos e imagens acerca de um naturalismo nostálgico.
No entanto, nesse pequeno texto, faço uma breve leitura de um de seus poemas e o relaciono ao conceito de arte Naif, considerada por muitos como pinturas ingênuas, ou primitivas (do qual discordo) porém, dotadas de uma poesia e um lirismo extremos.
Quando passo os olhos por "Chuva em Santo Amaro da Imperatriz", (P.30 -Ato 13), percebo pinceladas suaves, cores vivazes em alguns trechos e a chuva lavando e suavizando o azul claro em segundo plano dos montes esverdeados num primeiro olhar. Quase ouvimos o som dos tambores e trovões. A imagem do rio seguindo seu caminho desbravando os limites da cidade, lambendo vidros e paredes nos transporta de volta à cidade grande. Ou será que a pequena cidade crescera? Acredito que não. Na linda imagem criada pelas vivas palavras do poema vemos bois, cercas e porteiras junto aos carros e corpos boiando nas águas. A chuva derrama suas lágrimas sobre o leito do rio. No entanto indiferente ao choro incontido do céu cinzento sem que suas águas sejam sempre as mesmas, ele, o rio, prossegue incólume, até o grande encontro mar adentro.
Uma outra cena contrasta com as imagens anteriores. O local? A soleira de uma casa em Santo Amaro da Imperatriz.
"Acordei com a chuva dando na eira
A ressaca me guiou até a beira
Soleira da casa
Cascata de lavar alma
Renove-me pra outra lavada"
(ATO 12 - Despertar da Tarde. P.30)
Essa pequena pintura feita de palavras abre o caminho para a grande chuva purificadora que viria. O cheiro da terra molhada seria esquecida pela tragedia. Mas a cascata lavaria toda alma. Por inteiro. Ou os arrastaria, a todos, ao rio em sua grande ânsia de mar. Sinto os respingos dessa viagem. A umidade da cena não turva o brilho da pintura-poesia de Carlos Alberto. Cada palavra sua traz a experiencia do novo. Experienciado. Um mundo criado escrito por uma tinta-terra, que como um quadro de Diego Rivera germina sob nossos pés. Os cavalos do nosso peito se tornam alados.
Eder Lima – 25/05/2014