Higa e Rocha, duas fortalezas no 7º Blablablá |
Difícil
explicar o que foi o 7º Blábláblá na Casa Amarela, ontem, 28 de setembro.
Talvez o tempo, ainda indeciso entre ser primavera ou inverno, talvez eventos
demais (para público de menos)
acontecendo ao mesmo tempo na região de São Miguel, talvez mesmo porque o
debate sobre produção e distribuição no meio artístico e cultural ainda não
seja considerado importante para os próprios produtores do lugar, talvez porque
a tarefa primária para todos que estão trabalhando nessas fronteiras seja
realmente a formação de público, fato é que pouco mais de uma dúzia de
resistentes estiveram na Casa Amarela para este encontro.
Sinto dizer,
mas quem não foi, perdeu.
Perdeu, antes
de tudo, porque não pode ouvir a simpaticíssima Adriana Rocha e suas práticas
para o escoamento de suas obras. Perdeu quem não pode prestigiar o lançamento
de sua última obra, “V de Vagina – Sexo e Romance”, onde ela dá cor, sabor e
aroma aos tons de cinza do mercado. Perdeu quem não pode ganhar o autógrafo da
mesma, untado com um sorriso maroto que desamarra qualquer introspecção.
Também perdeu
quem não pode perceber a fina ironia da inteligência de um mestre zen
brasileiro, Osvaldo Higa. As lições de desprendimento, a coerência entre vida e
arte, a busca constante pelo santo graal da arte traduzida em gesto e sensibilidade,
fortalecem, corporificam e dão sentido à obra literária e jornalística do
autor.
Os dois
juntos, mais a participação aditiva da platéia ajudaram tanto na profusão de
histórias, argumentos e sugestões, que congestionaram o HD neurônico desse
escriba. A inquietação traduziu-se num caudaloso rio de idéias. E este aqui, em
alguns momentos, senti-me num redemoinho que espanava todos os lugares-comuns
da causa que militamos, a arte, a cultura, a educação, a sustentabilidade do
planeta.
Adriana, que
tanto escreve para o público infanto-juvenil quanto histórias, digamos, “para o
público adulto” (lançou na CA seu último romance, que tem o significativo
título “V de Vagina – Sexo e Romance”), respondeu a todas as perguntas
“espinhosas” que lhe foram trazidas por conta da obra polêmica. Helenir Marçal,
por exemplo, trouxe uma vivacidade única ao inquirir a autora, “quem tinha
ensinado quem, se a autora à personagem, ou o contrário”, ao que Adriana
confessou, “talvez eu tenha ensinado mais à Lívia (personagem), talvez...”
Lendo a obra, fico em dúvida, parece-me que houve uma “troca” igualitária de
experiências entre autora e personagem.
Higa – que
também trouxe seu último livro, “Sujeito Oculto”, para ser lançado no evento –
e igualmente bombardeado por perguntas de todos os lados, respondeu a todas com
o mesmo desvelo. Depois de ler inicialmente um trecho de sua obra que remetia à
mesma enunciação sexual do “V” de Adriana Rocha, ainda que com uma poeticidade
muito peculiar, foi questionado, entre outras coisas, sobre o quanto o
jornalismo influencia sua prosa. Confessou que é sabedor que a prática profissional
fez com que sua ficção ganhasse tons enxutos e de objetividade natural. Apesar
das poucas adjetivações típicas da escrita jornalística, seu trabalho, contudo,
não retém o fluxo de signos que determinam uma certa exatidão generosa.
Refletem assim um autor em pleno domínio de seu ofício.
Feitas as
contas das mais de duas horas de conversa, arrisco dizer que, salvos as
especifidades determinantes, Adriana Rocha e Osvaldo Higa apresentam diversas
pontas de convergência em seus textos e suas trocas de idéias. Ambos revelam-se
simpáticos, sempre bem longe do pedantismo que caracterizam muitos de nossos
parceiros de letras. Os dois também primam pela clareza em suas letras. Tanto
um como a outra praticam um texto que contempla todos os perfis de público, sem
hermetismos desncessários ou exibicionismo semântico, escrevem bem e sem
firulas, “apenas isso”. Por fim, em ambos residem a resistência de uma arte que
não envelhece, antes se rejuvenesce em enredos bem pensados, tramados e
exibidos. Para nosso deleite.
Definitivamente,
o Blábláblá de ontem na Casa Amarela mostrou dois frutos maduros da moderna
prosa tupiniquim. E quem não esteve lá, não pode fruir dessas e de outras
gostosas degustações. A pasta de aliche, por exemplo, um mimo que Higa levou
para a Casa, contribuiu também para fechar com chave de ouro mais um encontro
de inteligências na zona leste de Sampalândia.