MPA – 35 anos: lembranças na Casa Amarela
Mais de 4
horas de discussão. Mais de 70 pessoas pessoas presentes. Nem a chuva
desbragada que caiu na Sampalândia durante toda a tarde de ontem foi capaz de
arrefecer os ânimos de quem se dispôs a ir ao último Blábláblá do ano na Casa Amarela
– Espaço Cultural, em São Miguel Paulista.
O evento é uma roda de debates que ocorre mensalmente no espaço, que procura
discutir questões pertinentes ao fomento, produção e difusão no
universo cultural, artístico e educacional periférico.
A conversa
deste sábado propunha discutir o legado das ações do Movimento Popular de Arte,
que eclodiu no bairro no fim de 1978 e que até hoje reverbera suas ações e
permanência no imaginário coletivo, tanto da região como de outros lugares de
São Paulo e até do Brasil, conforme foi justamente lembrado em diversos
momentos, inclusive pela platéia presente.
Os convidados
eram Edvaldo Santana, cantor e compositor; Edsinho Tomaz de Lima Filho,
assessor político e produtor (embora ele recuse taxativamente essa nomeação) e
Gilberto Nascimento, jornalista. Todos egressos dos primórdios do MPA,
portanto, com muitas histórias para contar.
A abertura da
festa, por volta das sete e meia da noite, foi feita por Éder Lima e Lígia
Regina, que conferem há algum tempo o tempero musical e poético do Blablablá. Juntos,
ainda convidaram Akira Yamasaki para uma récita que já tinha sido apresentada
um dia antes, durante o Sarau Literatura Nossa, em Suzano. Primeiro
delírio da platéia presente.
Iniciado o debate
e instado a comentar a história do grupo, Edsinho explanou com clareza alguns
detalhes que nortearam o surgimento do movimento, no que foi complementado por
Edvaldo, que acrescentou outras informações. Gilberto Nascimento ampliou ainda
mais a abordagem, relembrando ter sido na Universidade de Mogi das Cruzes que
ouviu pela primeira vez sobre um
movimento que acontecia no seu bairro. Juntou-se a ele, claro!
Refletindo
sobre um comentário de Akira, que incendiou o fogo brando da conversa ao citar
que “faltou ao MPA a transição da ´resistência cultural´ para a ´construção
cultural´”, e de Fátima Bugolin, que questionou o legado da mulher no grupo, o
aceso Edvaldo discorreu que “o mundo hoje é outro, de construção, inclusive”.
Antes, ainda relembrou que no papel da resistência, a severidade de muitos atos
também referiam-se ao fato de que “São Miguel ainda tem muitos conservadores”,
e que era (e é) preciso brigar sempre nessa
luta desigual contra o atraso e o conformismo.
Outro assunto
delicado, a questão financeira, foi trazido por Gilberto Nascimento. Segundo
ele, “o MPA não tinha dinheiro e no entanto conseguia pagar cachês e contas,
ao passo que outras instituições, mesmo com aportes financeiros consideráveis,
não lograram o mesmo êxito”. O poeta e jornalista João Caetano do Nascimento,
também da militância primordial do movimento, referiu-se a este e
outros fatos de forma equânime. “Ninguém passou pelo MPA impunemente”,
asseverou, “ninguém saiu ileso, todo mundo manteve acesa um pouco daquela
chama”.
A noite
avançava, entrávamos já numa temerária terceira hora de discussões, a casa
continuava a receber gente que ainda chegava para o debate, mas mesmo assim
novas questões eram suscitadas. O fotógrafo Mauro Bomfim questionou o grupo presente
sobre a guarda da documentação, entre outros assuntos. Arnaldo Bispo, poeta e
advogado, buscou em seu discurso a significação na proativadade do MPA para
entender a potência dos brasileiros “que não se resignam”, segundo palavras suas. Akira
lembrou que o grupo de teatro Periferida também atuou como uma resistência
interna, para que o MPA não se tornasse uma “ditadura de músicos”.
Valter de
Almeida Costa, educador na rede pública e com um histórico de militância na
região, apontou diversos pontos relevantes já discutidos no debate e destacou
que “a história da zona leste sempre foi a de lutas da esquerda”. Zulu de
Arrebatá, que tocou com Edvaldo no grupo Matéria Prima em sua fase pré-MPA,
relembrou a importância de Gianfrancesco Guarnieri e Chico de Assis nas
relações com os artistas de São Miguel. Edvaldo Santana, incitado por Zulu, afirmou
“o MPA foi similar, sim, ao CPC, transcendendo-o em alguns aspectos.” Ressaltou,
por fim, reiterando o raciocínio de Valter, que realmente “a esquerda tinha uma
prevalescência na periferia, em especial na zona leste”.
Passava das
onze. Muitas outras vozes ainda ecoavam no ambiente, duas femininas em especial. Sueli
Kimura, uma das administradoras da Casa Amarela, voltando à
questão da atuação feminina no MPA, lembrou “(nós, mulheres) somos muito
pragmáticas, multifacetadas. Não me sinto menos importante nessa história
militante”. E Cida Sarraf, uma das organizadoras do Sarau da Maria,
complementou com argúcia, “a história de vocês (MPA) reporta à história de nós,
no Jardim Brasil”. Por isso a tremenda identificação.
Tínhamos que
terminar a noite brilhante. Para isso convidamos Edvaldo Santana a sacar seu
violão e puxar duas músicas – uma inédita, em homenagem ao ex-jogador Sócrates,
já falecido. Momentos de encantamento, com todos cantando juntos o refrão.
Justamente “encantamento”, palavra cara que nos minutos antecedentes, quando muito
já tinha sido se discutido sobre o papel essencial de se encantar a juventude com
essas (e outras) histórias, tão ricas e complexas, as histórias do Movimento Popular de Arte, não
por acaso, ainda em
movimento. Como foi provado, mais uma vez, na noite de ontem.
texto de Escobar Franelas
texto de Rosilena Arruda