Buzo, Peçanha e Sacolinha: a mesa de ideias para degustação: eis o Blablablá (foto Landy Freitas) |
Um evento que tinha a abertura com a voz de Ligia Regina e o violão
certeiro de Eder Lima, tinha tudo para dar certo. E deu. Depois veio a poeta
Socorro Nunes, diretamente de Pernambuco. Certo? Certo. Depois Sacolinha,
Alessandro Buzo e Érica Peçanha, três ícones daquela que muitos chamam “literatura
marginal”, praticada hoje no Brasil. Tinha tudo pra dar certo, certo? O que deu
mesmo foi “pano pra manga”, convergências e divergências de opiniões, algumas
controvérsias, e muita, muita troca de informação. É assim que nos formamos.
Obrigado, Casa Amarela, por ser, mais uma vez, minha casa, residência,
lar, escola e vida... obrigado por nos permitir novamente o espetáculo das
inteligências em debate.
A abertura do Blábláblá de julho na CA foi feita de forma singela mas
muito pungente por Lígia Regina e Éder Lima, com duas canções/intervenções de
profunda envergadura poética. Conquistaram o público logo na abertura do
evento. A seguir, a poeta Socorro Nunes, que fazia um rasante pela Sampalândia,
convidada pela CA, contou histórias, leu poemas, trocou energias com a plateia.
Indicada pela lucidez diplomática do poeta João Caetano do Nascimento, surgiu
no espaço como um cometa nos iluminar e aquecer. Numa semana em que já tínhamos
tido a rica companhia de poetas de Minas, Santa Catarina, Maranhão e interiores
de São Paulo, mais uma vez fomos brindados e confortavelmente tocados pela
costura sintática cheia de ritmos dissolutos e imagens matizadas pelo olhar
clínico da poeta radicada em Pernambuco.
Sob o título “Literatura marginal: o que é isso?”, o Blablablá propunha
uma discussão da terminologia trazida desde a década de 1970 e que foi
reapropriada pelo movimento literário surgido como uma vertente do hip-hop. Pronto,
estava armada a cama-de-gato para que Sacolinha, Alessandro Buzo e Érica
Peçanha soltassem o verbo no microfone do pequeno tablado. A tarde caminhava
pro fim, a noite chegava fria e impetuosa, mas o calor das discussões não
permitiram que sequer pensássemos que estamos no inverno, um inverno glacial
que nos tritura a pele mas não tira o calor de idéias.
A apresentação dos convidados trouxe à cena o pensamento ímpar de cada um.
Todos iniciaram falando de suas histórias de vida e os percursos iniciais na
seara literária. Depois, naturalmente, o assunto foi levado ao tema proposto. E
se Buzo admitiu que “nunca tive problema com o termo literatura marginal”, Sacolinha
realçou a poeticidade do termo, afirmando, “literatura marginal não é perfume,
mas a essência da realidade”. Érica pôs as pedras no seu lugar: “foi Ferréz o
grande ideólogo deste termo”, e arrematou a seguir, “temos que considerar a
estética daquilo que é produzido nos livros e nos saraus”. O tema não se
esgotava a partir dessas deduções, mas era visível o quão rico seria continuar
a ouvi-los.
A poeta Socorro Nunes, provocada se havia a sensação de marginalidade dos
pernambucanos em relação aos centros paulistanos e cariocas, confirmou essa
condição. E ampliou as possibilidades de interpretação sobre o que, de fato,
pode ser considerado marginal hoje.
Sacolinha, que traz a experiência de seus projetos dentro de escolas e em
comunidades socialmente mais vulneráveis na região de Suzano, na Grande São
Paulo, comentou que, em se tratando da produção literária entre os
freqüentadores de sarau, “falta leitores, o cara participa de sarau e já quer
publicar”. Um intenso diálogo foi suscitado entre convidados e o público
presente. Enfatizando a importância dessa questão, Érica Peçanha atentou para a
complexidade:do assunto: “ele está falando do escritor que está se habilitando
para a carreira artística profissional”, disse ela. Alessandro Buzo reiterou uma verdade latente
desse universo: “nem todo mundo que declama vai publicar um livro; e mesmo que
lançar o primeiro, nem todos vão perseverar”.
Afirmando que existem mais de 100 trabalhos de graduação sobre a produção
chamada periférica ou marginal e pelo menos 36 teses de mestrado ou doutorado
versando sobre o mesmo assunto, Érica retomou a palavra convidando a todos para
refletirem a importância do momento atual. Buzo comentou que talvez passe a
lançar futuros trabalhos por meio de seu próprio selo, pois percebeu que já é
visível o profissionalismo no meio, assim como autossuficiência para suprir as
demandas, tanto qualitativa quanto quantitativa. Sacolinha, por fim, ensejou a
todo aquele que deseja seguir escrevendo: “não desanime de seu primeiro livro,
o importante é aprender a ouvir tanto as críticas quanto os elogios”.
Enfim o Blablablá fechou. Foram mais de três horas de rica troca de
saberes, histórias e idéias. A equipe da DGT Filmes (Nogueira na câmera e
Chantilly na operação de áudio), fez a cobertura do evento para apresentação no
quadro mantido pelo Buzo no SPTV, fazendo entrevistas. Todos puderam degustar
os livros expostos no espaço da Casa Amarela, assim como apreciar a exposição
das esculturas em madeira do também poeta Euflávio Madeirart. Motivos vários
para festa na CA.
Somando-se isso tudo aos petiscos e café preparados pelas mãos mágicas da
Célia Yamasaki, à “mineirinha” oferecida descaradamente pelo Akira Yamasaki aos
convidados que aceitavam dar uma beiçadinha de leve, aos abraços “calientes” de
todos os presentes em todos os presentes, aos registros fotográficos de Sueli
Kimura, Luka Magalhães e Carlos Bacelar, entre outros, à tuitaria geral do ator e poeta Manogon e à filmagem feitas pelo
incansável Big Charlie, blablablamos à vontade. E assim, acreditando sempre na
sabedoria dos diálogos, adicionamos também outra coisa que acreditamos saber
fazer com qualidade: a cultura do abraço.
Sem receio de ser feliz!
Escobar Franelas
O público sagaz do Blablablá (foto Luka Magalhães) |
A poeta Socorro Nunes, "cereja do bolo" do Blablablá de julho na CA (foto Luka Magalhães) |