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A tal da foto ´oficial´ (foto: Célia Yamasaki) |
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Almir, Patrícia e Tião, questionados por Eder Lima, sob o olhar atento de Edvaldo Santana (foto: Ligia Regina) |
O Blablablá é um projeto d´A Casa Amarela – Espaço Cultural, nascido da
ânsia pelo entendimento do que acontece nos territórios marginalizados.
Baseados nessa premissa, buscamos a excelência de idéias daqueles que se
propõem a pensar o fazer cultural sob essas condições. Não somos modestos,
queremos as histórias e memórias, a argúcia e a sagacidade, a ousadia e a
sensibilidade. Queremos a revolução não estacionária, a evolução orgânica e
constante.
Para tanto, a edição de abril do Blablablá ousou contemplar os movimentos
(ou melhor, as movimentações) culturais que se processaram no último quarto do
século passado, em especial na região periférica de São Paulo e que desaguaram
nesses treze anos da nova centúria. O seleto time que conseguimos prospectar
para discutir essa pantomima tinha ninguém menos que Tião Soares e Almir Bispo
(poeta e ator histórico militante cultural da região do Itaim Paulista, além da
organização Movimento Cultural Penha. Representado por Patrícia Freire, o MCP
lançou o livro Movimentações pela Cultura, um rico “painel dos movimentos
culturais pela região leste de São Paulo”, como atesta o subtítulo da obra.
Após o brinde e os números musicais iniciais, com Lígia Regina e Eder
Lima exibindo o primor lírico usual e depois a cereja do bolo com Edvaldo
Santana, que, em visita aos familiares e amigos de São Miguel, aproveitou para
dar um rasante sobre a Casa, os diálogos foram iniciados. Historiadora de
formação, Patrícia principiou contando um pouco de sua história e a ligação com
o MCP. Apresentou, a seguir, a obra que estava sendo lançada: “a gente
precisava entender a nossa militância dentro do contexto histórico”, explicou.
Quem a sucedeu foi Almir Bispo, ator, poeta e militante cultural desde a
década de 1980, que explanou a forma como o Centro Cultural Itaim foi criado.
“Na época”, ele disse, “o Mário Covas veio no aniversário do Itaim, a gente
aproveitou pra reinvidicar e ele disse sim. A partir daí, passamos a cobrar de
maneira enfática e constante. Dois anos depois inauguramos o Centro”, afirmou.
Explicando assim, parece que foi tudo fácil. Mas não. O poder público, segundo
ele, voltou atrás e travou o processo diversas vezes, mas a perseverança na
luta por um bem que toda a comunidade almejava é que permitiu o êxito da
conquista. “Se hoje está aberto ou de portas fechadas, se funciona bem ou mal,
isso eu não sei, faz tempo que não vou lá. Mas na época conseguimos o
principal, conquistamos o Centro Cultural para o bairro”, sentenciou.
“A política pública é quem determina, não o fazer cultural” (Tião
Soares)
Provocado por este escrevinhador a fazer uma analogia entre as
movimentações culturais e as manifestações de junho de 2013 pelo Brasil, Tião
Soares, com a perspicácia de sempre, iniciou sua preleção afirmando que “desde
a década de 1930 já rolavam movimentos, tutelados pelo Estado”. Doutor em Ciências Sociais
e com um caudaloso histórico de produtor cultural, Tião estabeleceu uma linha
cronológica para elucidar a perspectiva sobre como os movimentos (ou
movimentações), estabeleceram paradigmas que foram sendo apontados e superados,
dentro dessa linha do tempo. Para tanto, faz uma análise sensível das mudanças
ocorridas junto com esses ventos de mudanças que ocorriam junto à abertura
política que o país enfrentava no fim dos anos 70. Disse “o sindicalismo dos
anos 70 e 80 era autônomo em relação ao sindicalismo dos anos 30 e 40. É nesse
contexto que nesse período surgem os Clubes das Mães, que na zona leste fez
nascer o Sistema Único de Saúde (SUS). Concomitantemente, é também na mesma
região que nasce o Movimento Pela Moradia, os Mutirões, o Movimento de Creche”.
Edvaldo Santana, sentado na primeira fila, completa: “E o Movimento das
Favelas”. Tião concorda e arremata, “quanto à analogia com as manifestações de
junho último, temos que considerar que há por aí muito coletivo de uma pessoa
só, o que é uma incongruência, um fragmento da movimentação anterior
Eder Lima, professor e músico da Casa, o interpela: “no período da
abertura houve uma visibilidade dos movimentos sociais mas na área da cultura
houve um arrefecimento de forças”. Novamente Tião concorda e complementa: “a
gente hoje observa essa fragmentação nessas manifestações, em que a política
pública é quem determina, não o fazer cultural”.
“a indústria cultural vai deixar de existir com essas novas
tecnologias”( Almir Bispo).
Júlio Marcelino, ativo militante cultural e social na região da Penha e
também um dos autores do livro Movimentações Pela Cultura, explicita “a
Cultura, na visão de alguns gestores públicos, ainda é apenas uma ´cereja´”. Almir
Bispo confere: “a indústria cultural vai deixar de existir com essas novas
tecnologias”.
Retomando a palavra, Tião diz “os editais diferem dos movimentos
orgânicos, como o Movimento Popular de Arte (MPA) e outros. Isso é provisoriedade,
não é regular ou horizontal. O cara tá nesses CEUS, nesses Pontos de Cultura,
que nem robô, onde muitas vezes impera uma estética sem ética”.
Danize Dagmar, uma das depoentes do livro que estava sendo lançado, pediu
para explicitar a importância das relações dentro dessas movimentações
culturais que estava sendo discutidas. Segundo ela, “as mulheres da periferia
não apareciam, mesmo dentro desses movimentos”. Mesmo assim, ainda de acordo
com seu depoimento “ver o MPA abrir mão de dinheiro do Estado foi uma
felicidade, a gente viu que não estávamos sós, como a voz que clamava no
deserto”. Ainda assim, Almir rebateu “a gente tem que buscar o edital. É uma
conquista, um direito”. Cláudio Gomes, poeta desde o início do MPA, discorreu
que “essa política de editais e prêmios é igual aos tempos coloniais: ´vamos
alegrar o feitor que ele nos leva pra festa´”.
O avanço do debate indica que há uma leitura bastante heterogênea do que
é política cultural, cultura e política pública de cultura. Tião Soares
identifica essa fissura na discussão e pontua com outra provocação: “também há
pessoas que não sabem a diferença entre administração e gestão”. A discussão
avança carregada de proposições e de observações sobre acertos e erros da
militância. Tanto que em dado momento, Akira Yamasaki, poeta, produtor e também
um dos gestores da Casa Amarela, imprime sua marca, quando explica o Congresso
de Movimentos Culturais, que estava sendo questionado naquele momento. Disse
ele, “esse Congresso foi uma idéia minha, quando trabalhei na Secretaria
Muncipal de Cultura. E tomei muita pedrada por isso. Era pra ter tido outros, o
segundo, o terceiro, mas daí travou, parou tudo”. Ao que Tião placidamente
contemporizou: “a cultura é conservadora, a arte é que é transgressora”.
“a história oral é um mecanismo essencial, pois a “história oficial” é
sempre escrita pelo vencedor” (Patrícia Freire)
O Blablablá caminhava pra mais de duas horas de intensos e acalorados diálogos,
quando propus a sua finalização e então Patrícia nos apresentou este apêndice:
“nosso trabalho foi pautado na história oral. Na zona leste, a história oral é
um mecanismo essencial, pois a ´história oficial´ é sempre escrita pelo
vencedor”. Se quisermos saber uma verdade mínima dos fatos, não podemos
esquecer esse detalhe.
Para avançar pra mais de três horas de evento, então ganhamos um show
acústico de Edvaldo que, de posse do violão-banquinho-microfone, destilou sua
poesia refinada para o público que continuava ali, sem arredar os pés. E quando
convidou Lígia Regina para cantar com ele Canção Pequena Para Ninar Gente
Grande, poema do Akira musicado por ele, a Casa Amarela pareceu ficar suspensa numa
nuvem, com uma aura evanescente, equilibrada numa luz entre o sol e a lua.
Qualquer tentativa de explicar essa sensação vai dar em nada. Só quem estava ali
saberá entender esse delírio.
Escobar Franelas
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Blablablá: um brinde à arte do encontro (foto: Ligia Regina) |
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Plateia degustando Edvaldo Santana (foto: Ligia Regina) |