Eder Lima, Punky Além da Lenda e Escobar Franelas (foto Lígia Regina) |
A 8ª edição
do Blábláblá, roda mensal de debates na Casa Amarela – Espaço Cultural, em São Miguel, foi uma
análise arguta das questões concernentes à Educação. Tendo como convidados o
grafiteiro e arte-educador Punky Além da Lenda (Itaim Paulista) e o professor, músico
e artista visual Éder Lima, de Guarulhos (a outra convidada, Fabi Menassi, não
pode comparecer por questões de agenda), o encontro propiciou para os
participantes um agradável relato de experiências com a educação e uma rica
discussão sobre possibilidades que podem ser exploradas no diálogo entre
educação e arte. Incrível, mas pela primeira vez o tema foi trabalho sem os
costumeiros desvios para outros assuntos. Estaremos nós aprendendo a cumprir as
pautas? Ou o assunto é tão complexo assim que exigiu concentração total? Estará
o mediador aqui aprendendo a conduzir a conversa? Ou terá sido uma singela
combinação de todas essas coisas? Dúvidas que o tempo talvez responda.
Ao ser
inquirido, logo de início, sobre a possibilidade de se desvincular arte da
educação, ou o seu contrário, Eder aproveita e faz uma profunda explanação
sobre a história da Educação, desde os seus primórdios, na sociedade grega. Uma
aula magna, que percorre a história do pensamento humano desde os
pré-socráticos até o existencialismo do século XX. E ainda avança até os tempos
atuais. “Em 2007, foi adotada uma mudança curricular na escola formal a partir
de um filósofo, Deleuze, que trata dos assuntos a partir das diferenças”, afirma.
E arremata “a visão que o Estado teve foi de chamar os pensadores para dar um
caráter rizomático para os livros adotados”.
Punky,
abordado sobre sua história de vida, entra ´de sola´, “tudo o que aprendi foi
por aí. Eu ficava ´caçando´ pessoas que poderiam me ensinar alguma coisa”.
Autodidata, mostra-se total, também recorre à construções filosóficas
elaboradas: “A maior parte do trabalho no mundo é para eliminar um certo tipo
de trabalho”, afirma, enunciando a seguir que “a burrice é derivada da preguiça
de pensar”. Polêmico, direto e reto, sem medo de expor idéias ou histórias, cita
exemplos de sua atuação no campo da arte-educação: “(um dia) a professora veio
e reclamou que uma criança não ´tinha jeito´ e eu afirmei ´quem não tem jeito é
a senhora´!”. Éder reitera suas palavras: “quando a gente entra na escola, lá é
o microcosmo do mundo”. Sinaliza, contudo, um paradigma estabelecido, ao
lembrar que “o professor também se tornou uma classe enquanto trabalhador, mas
perdeu a noção de que o trabalho de educador tem outros valores”.
Há um certo
delírio poético no ar. Uma vontade de aproveitar ao máximo as possibilidades de
um momento único, quando as idéias entram em ebulição. O público
presente aproveita e participa avidamente. Sueli Kimura, uma das
administradoras da Casa Amarela, questiona qual é o papel do professor hoje, ao
que Éder sinaliza com uma máxima que deve – ou, ao menos, deveria – nortear o
trabalho daquele que trabalha com Educação:” o professor não é aquele que
ensina mas aquele que ´cria´ problemas”, no sentido de não eliminar a discussão
dialética no seio da sociedade. “Até mesmo porque o racionalismo imperante não
vai dar conta de todas as questões”, finaliza.
Alexandre
Santo, outro ouvinte participante, questiona sobre as terminologias ´mestres´ e
´aprendizes´, muito utilizadas no meio pedagógico. Éder rebate, “não gosto
dessa hierarquização”. Punky emenda com outro exemplo: “já temos a cultura popular,
no entanto, importamos palavras que não necessitamos: ´folk´ e ´lore´. Não há
necessidade de nada disso”.
Helenir
Marçal, mais uma das convidadas na platéia, pergunta “como individualizar o
conhecimento se numa sala às vezes temos 40, 45 alunos?” Éder dá uma pista:
“nesses casos, eu divido a sala em grupos, para facilitar a intermediação”.
Aproveita outra questão suscitada por Sandra Frietha, poeta presente ao
encontro, sobre a finitude do conhecimento esbarrando na grade curricular, e
enuncia: “o modelo iluminista surgiu a partir da Reforma protestante. A escola
hoje é laica, mas foi nascida dentro da Igreja reformada”. Neste momento é
Punky quem o complementa: “tudo o que é área da atividade humana tá acontecendo
por aí. Igual à Educação”.
As idéias fervilham
e permitem uma profunda e respeitosa troca de saberes. Ao que o cético e
concentrado Eder Lima preconiza, Punky apresenta o empirismo da ação. Quando este
último dá as cartas, algumas com espírito vividamente anarquista, Éder busca na
História, na Filosofia um refinamento teórico. Em outros momentos, acontece
justmante o contrário. Éder nos traz a práxis, “o século XX seria o ´século do
conhecimento´, mas foi o século das guerras e revoluções”. Ao que Punky,
revelando-se também um afiado pensador anarquista, define “meu pai era índio,
nunca me bateu;minha mãe era espanhola, ela me ´descia´ uma surra por dia”. Meios
de expressão, segundo ele, de filosofias de vida adotadas culturalmente e que
se justapõem na própria contradição, que é a vida que nos move.
Olho o relógio,
o Blablablá chega a quase três horas ininterruptas de duração e as pessoas
insistem em dialogar, questionar, inquirir, propor. Dá dó fechar o bate-papo
mas prometemos (e nos comprometemos) a voltar no mês que vem, reencontrar o
pessoal, e continuar na busca de caminhos para a construção de conhecimento
soberano.
Acreditamos
nisso.
Saio da Casa Amarela
com Zulu (velho parceiro), sentido Casa de Farinha, para outro evento. No meio
do caminho, encontro o velho anarquista em sua bike, no meio da noite escura,
no corredor sentido Itaim Paulista. Passo por ele, que não me vê. Continuo trocando
idéias com Zulu, mas dentro do carro reflito, “tá ali um cara cuja vida é a prática”.
Acredito nele.
Escobar Franelas
Arte: Manogon |
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