Ivan Neris, Escobar Franelas e Xico Edu (foto: arquivo pessoal S.Kimura/A. Yamasaki) |
Para um público que oscilou entre 50 e 60 pessoas,
apesar da tarde fria e da ausência de um dos convidados (a profª Vânia Cardoso
Coelho), Xico Edu e Ivan Néris não deixaram pedra sobre pedra durante o 5º
Blábláblá na Casa Amarela. Roda de debates que procura discutir questões
referentes à produção artístico-cultural, pedagógica e ambiental no universo
das periferias – ou seja, longe dos grandes núcleos midiáticos e de ganhos
financeiros ostensivos – o evento mensal da CA tem se revelado um mecanismo
muito produtivo na busca de alternativas para o fomento da construção de um
conhecimento mais amplo, assim como espaço de expressão e busca de
sincronicidade entre os produtores e pensadores que gravitam em torno do tema.
Formado em Engenharia e Filosofia, com um extenso
currículo de lutas sociais, onde imbricam a formação “in loco” com Paulo Freire
junto com outros ativistas da zona leste de São Paulo ainda na década de 1970, além
de ter trabalhado na produção de shows e empresário bem sucedido no ramo
gastronômico, Xico Edu, contudo, iniciou a fala discorrendo sobre um assunto que
domina no presente. “É possível pensar a educação e a cultura voltadas para a
prática da sustentabilidade”, disse ele, que atualmente trabalha com implantação
de logística reversa (otimização do fluxo inverso do produto na cadeia
produtiva, ou seja, reciclagem, reúso, recall,
devoluções e outras atribuições) para grandes corporações,
como o grupo Eurofarma e a Editora Abril. A idéia era debater novas possibilidades
nas atividades do homem que impliquem uma relação mais duradoura e saudável
entre o homem e a sociedade enquanto cadeia produtiva. Mal inaugurou sua fala,
porém, e o assunto foi desviado para a produção artística, por conta dos
apontamentos trazidos pela platéia.
A seguir Ivan Néris definiu-se, “sou um artista por
natureza, e como artista me coloco”. Filho de São Miguel mas morando atualmente
em Recife, Ivan transita com desenvoltura entre a arte teatral e a literária.
Inquirido sobre sua iniciação, citou que “a primeira figura do MPA que conheci
foi o Sacha”. Nota: MPA é o Movimento Popular de Arte, que surgiu em dezembro
de 1978 em São Miguel
e foi uma das balizas para toda a militância cultural, artística e política no
período em São Paulo,
sendo Sacha Arcanjo um dos principais protagonistas dessa cena até os dias de
hoje. Complementando aquilo que o
dramaturgo dizia, Xico Edu lembrou que “a primeira ong que vi no Brasil foi o
MPA”. Referia-se, assim, ao fato da organização estrutural e burocrática que o
movimento comportou durante alguns anos.
Rafael Carnevalli, jovem de apenas 24 anos que organiza
dois saraus no centro de São Miguel atualmente, sintetizou este raciocínio
dizendo “acho que, como artista, a burocracia é fundamental. Mas também acho
que o artista deve ser multifuncional”.
Zé Carlos Batalhafam, poeta e produtor cultural da
região – e que já participou de uma edição anterior do Blábláblá – trouxe uma
dúvida muito perspicaz. “Gerenciar um produto cultural não é o mesmo que fazer
um produto cultural”, definiu para em seguida, questionar “é possível fazer,
por exemplo, essa Casa Amarela distante da burocracia do Estado?”, sendo
complementado por uma observação trazida por Eder Vicente, educador, músico e
artista visual, que comentou, “o artista não pode depender de editais”.
Ivan saiu-se com essa, “tudo isso é relativo, pois eu,
por exemplo tenho quem me banque. Mas tem artistas que dependem de sua arte e
precisam se bancar de alguma forma”. “O artista faz parte da sociedade civil, e
tem que ser independente sempre”, arrematou Xico.
Mais algumas colocações foram trazidas pelo público, o
que enriqueceu severamente o debate. Entre as premissas lançadas, veio uma de Francisco
Ferreira, também com forte produção cultural na região da Penha. Analisando de
maneira cronológica os acontecimentos em São Paulo em tempos passados com o momento atual,
disse “tanto o Lira Paulistana quanto o MPA foram grupos artísticos. O que
acontece é que hoje os artistas não constituem seus grupos”. Ivan concordou, “a
gente perdeu o espírito de solidarizar-se, não no sentido religioso, mas no
sentido estrito da palavra”.
A problemática que se oferece no momento atual foi, como
em outros Blábláblás,
esmiuçada e identificada em várias de suas faces. Todos entendem que realmente
as discussões que são trazidas à tona são mito pertinentes, até porque Akira
Yamasaki, um dos gestores da C, poeta elogiadíssimo e também produtor cultural
relevante na região, apresentou alguns tópicos que são demandas nascidas nas
discussões do MPA. Citou ele que “a falta de espaço para manifestação dos
artistas e suas artes, a necessidade de fazer nascer uma incubadora (casa de
formação), o registro da memória de todas as ações executadas e a formação de
público são os quatro pilares por onde deve-se pensar tudo o que está sendo
feito até aqui”.
Ao que Xico, sagaz, complementou, “o problema da arte é
que a gente precisa de grana, fundamentalmente de talentos e, às vezes, de
sorte”.
Várias questões foram trazidas para a
roda, como as aulas com o mestre Paulo Freire e a aplicação de sua
metodologia no trabalho feito dentro da comunidade Vila Reis, zona leste
paulistana, na década de 1970 e que, segundo relato Selma Baia, ainda perdura até hoje
com seus resultados altamente positivos.
No fim, Lígia Regina e Eder Lima apresentaram uma versão
acústica (voz e violão) de Pássaro Cigano, música de Akira e Edvaldo Santana.
Tudo isso para fechar com chave de ouro uma conversa riquíssima em conteúdo.
Texto de Escobar Franelas
Fotos: arquivo pessoal S. Kimura/A. Yamasaki
Ligia, Zulu, Regina Vilela, Batalhafam, Akira, Xico e Eder (foto: arquivo pessoal S.Kimura/A. Yamasaki) |
Antecedendo Blablablá, Akira dá depoimento sobre movimentação cultural (foto Célia Yamasaki) |
Iolanda e Patricia - público curioso e generoso na CA (foto Xavier) |
Eu, entre pensadores (foto Xavier) |
A nova geração poética de S. Miguel já está dando as caras (foto Xavier) |
Múltiplos interesses para um público diverso (foto Xavier) |
Xico Edu, apontamentos da maturidade (foto Xavier) |
Bolo pelo aniversário de Celinha Yamasaki (foto Xavier) |
Lígia cantando Pássaro Cigano (foto Xavier) |
As belas da Casa Amarela - "mulheres que pensam" (foto Xavier) |
Xavier (foto: arquivo pessoal S.Kimura/A. Yamasaki) |