Inéditos & Inacabados - tema: deambular
textos lidos, apreciados e comentados:
poema de Sueli Kimura:
Teria a formiga
inveja da cigarra?
Se formiga cantasse
e cigarra colaborasse
Juntas, mundo afora,
deambulariam?
x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.
poemas de Enide Santos:
Haicai: Esta corrente define haikai como um poema escrito em linguagem simples, sem rima, estruturado em três versos que somem dezessete sílabas poéticas; cinco sílabas no primeiro verso, sete no segundo e cinco no terceiro.
Haikai -16
Na poça do breu
Nu, sem asas deambula
A caça do amor
Plêiades: É um poema de forma fixa, com uma estrofe de sete versos O título é obrigatório e deve ser constituído de apenas uma palavra. Os sete versos da estrofe são livres e não são rimados, mas devem começar com a letra inicial do título.
Plêiades: Deambule
Descortinando de vez a rispidez do medo
Descansa teus olhos em mim
Desvista para sempre deste adeus
Domando qualquer melancolia
Desenhe fronteiras e ilhas, deambule.
Despeje este grito trêmulo em meus ouvidos
Dando luz a sua eterna fantasia.
Acróstico é um gênero de composição geralmente poética, que consiste em formar uma palavra vertical com as letras iniciais ou finais de cada verso gerando um nome próprio ou uma sequência significativa. A palavra ACRÓSTICO originou-se da palavra grega Ákros (extremo) e stikhon (linha ou verso), onde o prefixo indica extremidade, apontando a principal característica desse tipo de composição poética: as letras de uma das extremidades de cada verso vão formando uma palavra vertical. Mas as letras podem também aparecer no meio do verso.
Acróstico: Deambular
Deixou pegadas sem destino
Emasculado vagueou
Alma e corpo feridos
Marionete do destino se tornou
Banido dos desejos, fora.
Usurpado sem perdão
Lápide sem inscrição é seu coração.
Abdicando de viver
Rompe o tempo sem perceber.
TAUTOGRAMA
[origem grega, "tauto + grama" = igual + letra ; subst.masc , "o tautograma" .]
Trata-se de uma composição poética em que TODAS as palavras começam com a mesma letra. A arte e desafio é uni-las com sentido e poética.
Tautograma: Deambular
Diante Do Direito De Devanear
Decidi Deletar Distâncias
Depois, Demoli Dias Difíceis.
Descortinando Duras Duvidas.
Destemida Deixei-me Divagar
Degustei Delírios Divinos
Deslumbrada, Deambulei
INDRISO
Modalidade poética inspirada no soneto, criada por Isidro Iturat, espanhol, no início deste século. O Indriso é formado por 2 tercetos e 2 monósticos, num total, portanto, de08 versos, com métrica e rimas livres. Podem existir ou não.
Tema: aberto. Verseja-se sobre qualquer tema.
Esquema de versos: 3 / 3 / 1 / 1
Indriso: Deambulo
Derramando-me entre os campos e as florestas
Perfuro com fome o passado
Entre os tempos e as horas certas
Vou debulhando-me como flores que viram cisco
Vou reparando em tudo sem saber o que dizer
Vou vertendo-me devagar, sem prever.
E em cada suspiro que dou, deambulo.
Buscando incessantemente por ti, amor.
x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.
poema de Rosinha Morais:
Errante
Distorcida realidade
Que me engole inteira
Fronteira
Entre o encontrar e o perder-se
Caminho de destroços
Onde pisam os pés cansados
Levando ao desespero do existir
Lodo purulento da indiferença
Que corrói as entranhas
Escorrendo em fétidas feridas
Contaminando a alma
Passo a passo
O destino traçando curvas
Levando cada vez mais longe
Explorando trilhas difusas
Um grito
Perdido no meio do nada
Encontra o próprio eco
E se espalha na escuridão
Despertando os fantasmas
Que habitam o interior
x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.
Poema apresentado por Daniel Carvalho:
Memórias da terra
Ae, galera, se liga que fita
tem muita história que precisa ser dita.
Na grande mídia, TV e jornais
visão do pobre jamais é mostrada pros demais.
Imortais! Aqueles que lutam por direitos essenciais;
pros jornais, os sem teto são vistos como rivais
de policiais irracionais;
ademais, quantos confrontos, quantas mortes e funerais
surgiram por conta daqueles que não aprenderam a dividir seus capitais.
Vou contar o que rolou naquele dia
só de lembrar já me arrepia
tanta coisa naquela noite eu perdia
trata-se da história do meu povo que só brigava por moradia
1987
ainda eu era pivete
mas lembro até hoje
da injustiça que esse ano reflete
Não tínhamos casa
invadimos um barracão de obras de uma construtora.
O movimento que buscava por moradia
crescia no mesmo ritmo
do ódio daqueles que representam a lei.
Mandaram a polícia desocupar toda a área
mesmo que precisasse usar a violência.
Tava a maior correria
as crianças quase nada entendia
só sabiam que era pra correr
porque havia risco da gente morrer
Demoliram nossos barracos
queimaram nossas tendas
governo pau-mandado dos donos de fazendas.
Fomos desabrigados pelos
Guardas do ódio
Guardas da violência
Guardas do medo
Guardas da fome
Guardas da terra
Guardas da terra
em que impera o clima de guerra
Guardas da terra
em que impera a luta de classe
que só o pobre ferra
Choros e gritos em meio ao tiroteio
esperanças perdidas naquele mês de fevereiro
um tiro soou mais forte que todos
POW
a bala de um fuzil atingiu
o peito de Adão Manuel da Silva
homem da terra
pai de quatro filhos
meu pai...
ferido no coração...
foi morto... Adão Manuel da Silva
meu pai
ainda hoje a lágrima cai...
pelo homem que tentava a sobrevivência
pelo homem de desobediência a esse sistema capitalista de incompetência
meu pai, vítima da violência,
acabaram com sua existência...
Mas não com a nossa resistência
A luta de Adão ainda existe dentro de nós
sua força não nos deixou a sós
mesmo após a sua morte!
Assim faço minhas rimas
em cima de uma história vivida
infância perdida, família destruída!
Até o direito de sonhar me foi negado
pelos homens fardados
pelo soldado que
deixou meu pai baleado...
ele era casado, tinha filhos,
só tava desempregado,
mas foi executado
se eu pudesse teria matado
o policial desgraçado que deixou meu pai no chão estirado!
Quais foram meus pecados
para ter meus sonhos
em sem-terra naufragados?
E ainda hoje chamam os sem-terra de invasores
não conhecem nossas dores
nem nossas cores e valores
quantas Marias, Antonios
Josés, Cidas e Dolores
não têm jardim pra plantar suas flores
quantos trabalhadores são vítimas de agressores de farda
vítimas do preconceito dos conservadores consumidores
de mídia hipócrita, barata
e que só o lado mais fraco maltrata!
O peito de um homem a bala abriu
O sangue de um pai o cinza asfaltou coloriu
A lágrima de um menino caiu
A lágrima de muitos homens ainda vai cair
por saudade, por desumanidade
Esse é nosso B.O. pra eternidade
https://www.facebook.com/akira.yamasaki.3/videos/973606559376976/?theater
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conto de Escobar Franelas:
Deambulâncias
A plataforma da estação estava lotada. E no momento em que o metrô se aproximou, senti que iria ter muita dificuldade para embarcar. A pequena multidão comprimia-se para invadir o trem, que parou num tranco só e abriu as portas com celeridade. Para minha surpresa, pude entrar sem maiores apertos.
Já dentro, tentei reter os passos junto à porta, observando os espaços que se abriam e fechavam, como uma glote de ferro e tecidos. Solícita, procurando onde encostar, fui empurrada pela brutalidade de um braço que abria um rio no meio da multidão. Aturdida pelo redemoinho que produzia estragos emtorno de mim, tentei virar. Então ele passou, e no momento em que rompia barreiras junto ao meu ombro, os olhos gulosos e impacientes encontraram os meus. Uma tempestade banhou-me. Se estava frio, não sei, senti calor. Talvez estivesse muito quente, talvez não, senti muito frio naquela hora. Quando ele passou por mim, estacionou dois passos à frente, virou, e ficou ali, estático, dissimulado, o corpo num frenesi incompleto.
Não, não era bonito, diria até que ele era bem feinho. Cabelos meio desgrenhados, meio encaracolados, o nariz batatinha, os lábios assimétricos. Mas aquele sorriso contido, aquele olhar cheio de flexibilidades... percebi que olhava sinuoso em minha direção. Gelei.
Eu estava de camisa branca, de empresa. O sutiã também branco. E ele percebendo as rendas além da opacidade do tecido. O pavor tomou conta, baixei os olhos em câmera lenta, sorrateiramente, sem querer mostrar apavoramento, o gesto do braço a cobrir inutilmente os seios nus. Antes mesmo de baixar toda a cabeça, sabia que estava tudo bem. O tecido branco estava lá, intransponível, não tinha problema algum. Ninguém, ninguém mesmo, estava me tirando a roupa, nem ele, com aquele sorriso traiçoeiro, sorriso de garoto mal, venenoso.
Fui percebendo o ridículo daquele exercício. Me desolhando difuso, todo torto, a cadapiscadela trepidava minhas pupilas desencontradas. Minha provocação – se é que era provocação e se é que era minha – era exclusivamente pelo fato de estar ali, braços aberto, como um cristo prestes a ser crucificado, espalhando a falsa lucidez de um corpo desalinhado e quente.
O perfume que passara displicentemente em alguma hora da tarde diluía-se num mar de suores frios, ganhava novos aromas, numa alquimia imprevisível, onde o corpo exalava o calor de uma tensão incontrolável.
Lembro que tinha um livro na mão. Não me pergunte o título, nem o assunto, nem o autor. Eu me entregava à languidez daquela hora e a utilidade objetiva daquela peça de papel em minhas mãos agora era o de distrair mãos e olhos.
Sei que meu olhar inquieto me entregava. Devia deixá-lo intrigado, com os gestos serelepes de quem procura disfarçar porcamente uma leitura que não passava de clarão diante dos olhos. Meus olhos, assumo agora, o seguiam sem o fitar. A lava quente que brotava de meus poros me agonizavam, coçavam na pele, desciam como água benta que brotavam de um cântaro sagrado, gelavam minha pele, o coração pulsando inconstante. Ele, ao contrário, dançava comigo um balé trôpego. Minha camisa transparente, com o desenho hiperanimado de meu sutiã, com minha carne morna, com minha seiva viva, era teatro vivo, concerto de uma peça sem roteiro. Cada vez que o encarava, com o sacrifício da sutileza, com o arrepio do disfarce, ele estava em outras esferas, em outros lugares. Prostrado, adorado, abduzido, ainda assim tentava escapar com um cachorro vadio tenta fugir da carrocinha.
E o trem seguia.
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poema de Akira Yamasaki
sou um ponto negro
na escuridão furiosa
na claridade impiedosa
um voo de luz imundo
na eternidade silenciosa
só um pássaro sem voz
só uma gota no mar
uivando na lua cheia
só um grão de areia
só um cão solitário
x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x
um texto em prosa e outro em versos, de Mário Neves:
O DEAMBULAR DA ALMA E A MINHA DÚVIDA
Sem inspiração, sem assunto, sem leme, sem lume e sem rumo, a minha mente vagueava o infinito a procura de palavras para criar um texto. Criar um texto não é apenas escrever palavras frias, é transpirar e viver e eu sentia a alma combalida, impotente dentro de mim mesmo. Nuvens cinzentas encobriam a minha imaginação sendo um obstáculo a encontrar um rumo, um tema ou um lugar.
Obstinado lutava e quanto mais lutava mais encontrava resistência, a minha imaginação tinha muita velocidade, mas nenhuma objetividade passava por ruas, rios, postes, pontes, sem se deter em nenhum ponto, foi quando deixei o pensamento flanar pelas suas próprias asas, solto a deambular a seu bel prazer pelos meus sentidos à procura de um porto.
Livre e sem ansiedade e depois de muito perambular por caminhos, veredas, becos, atalhos, enigmas e encruzilhadas a minha alma se acendeu e levou-me a escrever o perseguido texto.
Porém ao termina-lo uma dúvida pairou no ar, o texto seria mesmo meu? Ele não teria sido plagiado das palavras que minha alma roubou do dicionário? Não estaria o texto pronto dentro do grande livro antes mesmo que eu fizesse a minha colheita? Sei que colhi, mas quem plantou? Minha dúvida aumentou muito mais quando me recordei de uma afirmação do grande escultor Michelangelo que dizia:
“Como faço uma escultura? Simplesmente retiro do bloco de mármore todo o excesso, tudo que não é necessário. A obra está dentro da pedra.”
“Ser ou não ser” diria eu parafraseando Shakespeare; o texto é meu ou não é meu? Não sei... Só sei que estive aqui deambulando em pensamentos a escrever um texto pra chamar de meu e que não sei se me pertence ou se já estava escrito com todas as palavras e letras no bojo dos dicionários.
COLHEITA
Fiz um
poema
para
chamar de meu,
mas será
ele mesmo meu?’
Não
seria pretensão minha,
pode ser
que antes mesmo
de criar
o poema,
ele já
existisse no bojo
dos
dicionários?
Palavras
soltas, dispersas,
mas
loucas para se unirem
explodindo
em poesia?
Sei que
fiz a colheita
dos
vocábulos,
mas quem
fez o plantio?
Fiz um
poema
pra
chamar de meu
mais se
é meu não sei.
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poema de Janete Braga, que, aliás não compareceu ao Inéditos, mas contribuiu com este texto: