domingo, 22 de novembro de 2015

Inéditos & Inacabados na programação da 2ª Mostra da Identidade e da Diversidade Cultural da Zona Leste de SP: textos escritos e discutidos



Inéditos & Inacabados - tema: deambular

textos lidos, apreciados e comentados:


poema de Sueli Kimura:

Teria a formiga inveja da cigarra? Se formiga cantasse e cigarra colaborasse Juntas, mundo afora, deambulariam?

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poemas de Enide Santos: Haicai: Esta corrente define haikai como um poema escrito em linguagem simples, sem rima, estruturado em três versos que somem dezessete sílabas poéticas; cinco sílabas no primeiro verso, sete no segundo e cinco no terceiro.
Haikai -16 Na poça do breu Nu, sem asas deambula A caça do amor Plêiades: É um poema de forma fixa, com uma estrofe de sete versos O título é obrigatório e deve ser constituído de apenas uma palavra. Os sete versos da estrofe são livres e não são rimados, mas devem começar com a letra inicial do título.
Plêiades: Deambule Descortinando de vez a rispidez do medo Descansa teus olhos em mim Desvista para sempre deste adeus Domando qualquer melancolia Desenhe fronteiras e ilhas, deambule. Despeje este grito trêmulo em meus ouvidos Dando luz a sua eterna fantasia. Acróstico é um gênero de composição geralmente poética, que consiste em formar uma palavra vertical com as letras iniciais ou finais de cada verso gerando um nome próprio ou uma sequência significativa. A palavra ACRÓSTICO originou-se da palavra grega Ákros (extremo) e stikhon (linha ou verso), onde o prefixo indica extremidade, apontando a principal característica desse tipo de composição poética: as letras de uma das extremidades de cada verso vão formando uma palavra vertical. Mas as letras podem também aparecer no meio do verso.
Acróstico: Deambular Deixou pegadas sem destino Emasculado vagueou Alma e corpo feridos Marionete do destino se tornou Banido dos desejos, fora. Usurpado sem perdão Lápide sem inscrição é seu coração. Abdicando de viver Rompe o tempo sem perceber. TAUTOGRAMA [origem grega, "tauto + grama" = igual + letra ; subst.masc , "o tautograma" .] Trata-se de uma composição poética em que TODAS as palavras começam com a mesma letra. A arte e desafio é uni-las com sentido e poética.
Tautograma: Deambular Diante Do Direito De Devanear Decidi Deletar Distâncias Depois, Demoli Dias Difíceis. Descortinando Duras Duvidas. Destemida Deixei-me Divagar Degustei Delírios Divinos Deslumbrada, Deambulei INDRISO Modalidade poética inspirada no soneto, criada por Isidro Iturat, espanhol, no início deste século. O Indriso é formado por 2 tercetos e 2 monósticos, num total, portanto, de08 versos, com métrica e rimas livres. Podem existir ou não. Tema: aberto. Verseja-se sobre qualquer tema. Esquema de versos: 3 / 3 / 1 / 1 Indriso: Deambulo Derramando-me entre os campos e as florestas Perfuro com fome o passado Entre os tempos e as horas certas Vou debulhando-me como flores que viram cisco Vou reparando em tudo sem saber o que dizer Vou vertendo-me devagar, sem prever. E em cada suspiro que dou, deambulo. Buscando incessantemente por ti, amor.

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poema de Rosinha Morais:

Errante Distorcida realidade Que me engole inteira Fronteira Entre o encontrar e o perder-se Caminho de destroços Onde pisam os pés cansados Levando ao desespero do existir Lodo purulento da indiferença Que corrói as entranhas Escorrendo em fétidas feridas Contaminando a alma Passo a passo O destino traçando curvas Levando cada vez mais longe Explorando trilhas difusas Um grito Perdido no meio do nada Encontra o próprio eco E se espalha na escuridão Despertando os fantasmas Que habitam o interior

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Poema apresentado por Daniel Carvalho:

Memórias da terra Ae, galera, se liga que fita tem muita história que precisa ser dita. Na grande mídia, TV e jornais visão do pobre jamais é mostrada pros demais. Imortais! Aqueles que lutam por direitos essenciais; pros jornais, os sem teto são vistos como rivais de policiais irracionais; ademais, quantos confrontos, quantas mortes e funerais surgiram por conta daqueles que não aprenderam a dividir seus capitais. Vou contar o que rolou naquele dia só de lembrar já me arrepia tanta coisa naquela noite eu perdia trata-se da história do meu povo que só brigava por moradia 1987 ainda eu era pivete mas lembro até hoje da injustiça que esse ano reflete Não tínhamos casa invadimos um barracão de obras de uma construtora. O movimento que buscava por moradia crescia no mesmo ritmo do ódio daqueles que representam a lei. Mandaram a polícia desocupar toda a área mesmo que precisasse usar a violência. Tava a maior correria as crianças quase nada entendia só sabiam que era pra correr porque havia risco da gente morrer Demoliram nossos barracos queimaram nossas tendas governo pau-mandado dos donos de fazendas. Fomos desabrigados pelos Guardas do ódio Guardas da violência Guardas do medo Guardas da fome Guardas da terra Guardas da terra em que impera o clima de guerra Guardas da terra em que impera a luta de classe que só o pobre ferra Choros e gritos em meio ao tiroteio esperanças perdidas naquele mês de fevereiro um tiro soou mais forte que todos POW a bala de um fuzil atingiu o peito de Adão Manuel da Silva homem da terra pai de quatro filhos meu pai... ferido no coração... foi morto... Adão Manuel da Silva meu pai ainda hoje a lágrima cai... pelo homem que tentava a sobrevivência pelo homem de desobediência a esse sistema capitalista de incompetência meu pai, vítima da violência, acabaram com sua existência... Mas não com a nossa resistência A luta de Adão ainda existe dentro de nós sua força não nos deixou a sós mesmo após a sua morte! Assim faço minhas rimas em cima de uma história vivida infância perdida, família destruída! Até o direito de sonhar me foi negado pelos homens fardados pelo soldado que deixou meu pai baleado... ele era casado, tinha filhos, só tava desempregado, mas foi executado se eu pudesse teria matado o policial desgraçado que deixou meu pai no chão estirado! Quais foram meus pecados para ter meus sonhos em sem-terra naufragados? E ainda hoje chamam os sem-terra de invasores não conhecem nossas dores nem nossas cores e valores quantas Marias, Antonios Josés, Cidas e Dolores não têm jardim pra plantar suas flores quantos trabalhadores são vítimas de agressores de farda vítimas do preconceito dos conservadores consumidores de mídia hipócrita, barata e que só o lado mais fraco maltrata! O peito de um homem a bala abriu O sangue de um pai o cinza asfaltou coloriu A lágrima de um menino caiu A lágrima de muitos homens ainda vai cair por saudade, por desumanidade Esse é nosso B.O. pra eternidade

 https://www.facebook.com/akira.yamasaki.3/videos/973606559376976/?theater

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conto de Escobar Franelas:

Deambulâncias‭

A plataforma da estação estava lotada.‭ ‬E no momento em que o metrô se aproximou,‭ ‬senti que iria ter muita dificuldade para embarcar.‭ ‬A pequena multidão comprimia-se para invadir o trem,‭ ‬que parou num tranco só e abriu as portas com celeridade.‭ ‬Para minha surpresa,‭ ‬pude entrar sem maiores apertos.‭ 
Já‭ ‬dentro,‭ tentei reter os passos‬ junto à porta,‭ ‬observando os espaços que se abriam e fechavam,‭ ‬como uma glote de ferro e tecidos.‭ Solícita, ‬procurando onde encostar,‭ ‬fui empurrada pela brutalidade de um braço que abria um rio no meio da multidão.‭ Aturdida pelo‬ redemoinho que produzia estragos emtorno de mim,‭ tentei virar. E‬ntão ele passou,‭ ‬e no momento em que rompia barreiras junto ao meu ombro,‭ o‬s olhos gulosos e impacientes encontraram os meus. Uma tempestade banhou-me.‭ ‬Se estava frio,‭ ‬não sei,‭ ‬senti calor.‭ ‬Talvez estivesse muito quente,‭ ‬talvez não,‭ ‬senti muito frio naquela hora.‭ ‬Quando ele passou por mim,‭ ‬estacionou dois passos à frente,‭ ‬virou,‭ ‬e ficou ali,‭ ‬estático,‭ ‬dissimulado,‭ ‬o corpo num frenesi incompleto.‭ 
Não,‭ ‬não era bonito,‭ ‬diria até que ele era bem feinho.‭ ‬Cabelos meio desgrenhados,‭ ‬meio encaracolados,‭ ‬o nariz batatinha,‭ ‬os lábios assimétricos.‭ ‬Mas aquele sorriso contido,‭ ‬aquele olhar cheio de flexibilidades...‭ ‬percebi que olhava sinuoso em minha direção. Gelei.
Eu estava de camisa branca,‭ ‬de empresa.‭ ‬O sutiã‭ ‬também branco. E ele percebendo as rendas além da opacidade do tecido.‭ O‬ pavor tomou conta,‭ ‬baixei os olhos em câmera lenta,‭ ‬sorrateiramente,‭ ‬sem querer mostrar apavoramento, o gesto do braço a cobrir inutilmente os seios nus.‭ ‬Antes mesmo de baixar toda a cabeça,‭ sabia ‬que estava tudo bem. O tecido branco estava lá,‭ intransponível, ‬não tinha problema algum. Ninguém,‭ ‬ninguém mesmo, estava me tirando a roupa,‭ ‬nem ele,‭ ‬com aquele sorriso traiçoeiro,‭ ‬sorriso de garoto mal,‭ ‬venenoso.
Fui percebendo o ridículo daquele exercício.‭ ‬Me desolhando difuso, todo torto, a cadapiscadela trepidava minhas pupilas desencontradas. Minha provocação‭ – ‬se é que era provocação e se é que era minha‭ – ‬era exclusivamente pelo fato de estar ali,‭ ‬braços aberto,‭ ‬como um cristo prestes a ser crucificado,‭ ‬espalhando a falsa lucidez de um corpo desalinhado e quente.‭ 
O perfume que passara displicentemente em alguma hora da tarde diluía-se num mar de suores frios,‭ ‬ganhava novos aromas,‭ ‬numa alquimia imprevisível,‭ ‬onde o corpo exalava o calor de uma tensão incontrolável.‭ 
Lembro que tinha um livro na mão.‭ ‬Não me pergunte o título,‭ ‬nem o assunto,‭ ‬nem o autor.‭ ‬Eu me entregava à languidez daquela hora e a utilidade objetiva daquela peça de papel em minhas mãos agora era o de distrair mãos e olhos.‭ 
Sei que meu olhar inquieto me entregava.‭ ‬Devia deixá-lo intrigado,‭ ‬com os gestos serelepes de quem procura disfarçar porcamente uma leitura que não passava de clarão diante dos olhos.‭ ‬Meus olhos,‭ ‬assumo agora,‭ ‬o seguiam sem o fitar.‭ ‬A lava quente que brotava de meus poros me agonizavam,‭ ‬coçavam na pele,‭ ‬desciam como água benta que brotavam de um cântaro sagrado,‭ ‬gelavam minha pele,‭ ‬o coração pulsando inconstante.‭ Ele‬,‭ ‬ao contrário,‭ ‬dançava comigo um balé trôpego. Minha camisa transparente,‭ ‬com o desenho hiperanimado de meu sutiã,‭ ‬com minha carne morna,‭ ‬com minha seiva viva, era teatro vivo, concerto de uma peça sem roteiro.‭ ‬Cada vez que o encarava,‭ ‬com o sacrifício da sutileza,‭ ‬com o arrepio do disfarce,‭ ‬ele estava em outras esferas,‭ ‬em outros lugares.‭ ‬Prostrado,‭ ‬adorado,‭ ‬abduzido,‭ ‬ainda assim tentava escapar com um cachorro vadio tenta fugir da carrocinha.
E o trem seguia.

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poema de Akira Yamasaki

sou um ponto negro

na escuridão furiosa



na claridade impiedosa

um voo de luz imundo



na eternidade silenciosa
só um pássaro sem voz

só uma gota no mar
uivando na lua cheia
só um grão de areia
só um cão solitário

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um texto em prosa e outro em versos, de Mário Neves:
O DEAMBULAR DA ALMA E A MINHA DÚVIDA

Sem inspiração, sem assunto, sem leme, sem lume e sem rumo, a minha mente vagueava o infinito a procura de palavras para criar um texto. Criar um texto não é apenas escrever palavras frias, é transpirar e viver e eu sentia a alma combalida, impotente dentro de mim mesmo. Nuvens cinzentas encobriam a minha imaginação sendo um obstáculo a encontrar um rumo, um tema ou um lugar.
Obstinado lutava e quanto mais lutava mais encontrava resistência, a minha imaginação tinha muita velocidade, mas nenhuma objetividade passava por ruas, rios, postes, pontes, sem se deter em nenhum ponto, foi quando deixei o pensamento flanar pelas suas próprias asas, solto a deambular a seu bel prazer pelos meus sentidos à procura de um porto.
Livre e sem ansiedade e depois de muito perambular por caminhos, veredas, becos, atalhos, enigmas e encruzilhadas a minha alma se acendeu e levou-me a escrever o perseguido texto.
Porém ao termina-lo uma dúvida pairou no ar, o texto seria mesmo meu? Ele não teria sido plagiado das palavras que minha alma roubou do dicionário? Não estaria o texto pronto dentro do grande livro antes mesmo que eu fizesse a minha colheita? Sei que colhi, mas quem plantou? Minha dúvida aumentou muito mais quando me recordei de uma afirmação do grande escultor Michelangelo que dizia:
“Como faço uma escultura? Simplesmente retiro do bloco de mármore todo o excesso, tudo que não é necessário. A obra está dentro da pedra.”
“Ser ou não ser” diria eu parafraseando Shakespeare; o texto é meu ou não é meu? Não sei... Só sei que estive aqui deambulando em pensamentos a escrever um texto pra chamar de meu e que não sei se me pertence ou se já estava escrito com todas as palavras e letras no bojo dos dicionários.

COLHEITA

Fiz um poema
para chamar de meu,
mas será ele mesmo meu?’

Não seria pretensão minha,
pode ser que antes mesmo
de criar o poema,
ele já existisse no bojo
dos dicionários?
Palavras soltas, dispersas,
mas loucas para se unirem
explodindo em poesia?

Sei que fiz a colheita
dos vocábulos,
mas quem fez o plantio?
Fiz um poema
pra chamar de meu
mais se é meu não sei.

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poema de Janete Braga, que, aliás não compareceu ao Inéditos, mas contribuiu com este texto:

Erva de Passarinho O nosso amor... tão bel, robusto, intenso! Já era... deu erva de passarinho ficou mirradinho, fraquinho, franzino, O nosso amor não canta mais a nossa melodia. Não canta, não chora, não respira, não dança, não deambula. O nosso amor vive em mim, O nosso amor vive em você... É seu e é meu, não é nosso. Se acabou, se se acabou... nosso amor, não era amor.










domingo, 27 de setembro de 2015

Inéditos & Inacabados na Casa Amarela, 26 de setembro


Foto de Daniel Carvalho
2 textos de Mário Neves para o Inéditos & Inacabados: 
A VIDA TEM SUAS QUEBRADAS
CABE A NÓS CONSERTAR
  A vida não é uma linha reta e às vezes ela se parte em pontas quebradas. ela tem um traçado irregular imitando a crosta terrestre com seus montes, vales e depressões.  Alguém disse um dia que a linha da vida tem que ter seus altos e baixos, em linha reta ela significa morte, igual indica as linhas de um eletrocardiograma.
  Se por um lado a vida é um privilégio, por outro ela é uma arte para cada um de nós, onde é preciso equilíbrio, compensações, ajustes aqui e ali para torná-la palatável.
 Temos que dar maior importância na tela da vida, para os dias mais brilhantes e assim encobrir as horas sem cores. As passagens e locais sem luz devem  perder sua força para momentos de alegria e grandes emoções. As quebradas e extremos vividos devem ser motivos e um desafio ao sucesso. Os desencantos da alma e o distanciamento dos pés um sério aviso que só vive aquele que não cruza os braços esperando  tudo acontecer por si só. As horas de sede sem água, amargas sem o doce devem ser o desconforto que nos move e nos põe a andar. Água parada perde a vida e assim também nós.
 Os oceanos são maiores que os mares e as facilidades da vida em maior número que as dificuldades, deixem, pois suas emoções mais gratificantes afogarem as páginas quebradas da vida, assim como os oceanos se quisessem, poderiam engolir todos os mares da terra.
 Nas quebradas da vida não deixe se quebrar nunca!

VIDA SE APRENDE VIVENDO!
O que é mesmo a vida?
Ela é nossa grande viagem
Da qual temos a passagem,
Não de volta, mas só de ida.

Avida é nossa melhor escola,
Onde aprendemos lição ou não
É um prêmio, não uma esmola,
É plenitude no pulsar do coração.

Pode ser ou não uma linda estrada,
Margeada por ervas doces ou amargas
Ter o céu azul ou nublado na jornada
Com sendas estreitas, ou ruas largas.

Vivi quebradas em minha vida
Descendo aos confins do inferno,
A vida já quebrou a minha cara!
Mas meus sonhos de menino,
Brinquedos quebrados pelo destino,
Consertei em emoções raras!

Procuro reviver meus melhores dias,
Subindo em êxtase aos céus
Nas asas dos sentimentos mais puros!
Acumulando reservas para tudo,
Fazendo desta energia
um escudo
Para vencer os instantes mais duros!


2 textos de Enide Santos para o Inéditos & Inacabados: Endereço: Quebradas
Não são só as folhas das árvores
Que aqui o vento assopra
São as luzes assutadas
Das curvas, dos becos, das portas.

Não são apenas águas de março
Que aqui rolam pelo chão
São as águas das faces
Dos pivetes em construção.

Não são somente os gritos das crianças
Que brincam com fuzis nas mãos
São também os gritos dos adultos
Carregando mais um caixão.

O relógio já marca
Está na hora de acordar.
A visão ainda embaça.
Mas é preciso me levantar.

Da noite ficou o som da goteira
Que não me deixa desligar
E de olho nos moldes do barraco
Figuras de arte me proponho criar.

O contorno da janela
mais parece um v
E da fresta entre as tábuas
O medo ousa me ver.

É, a goteira insistiu
Meu sonhos tentou interromper
Mas a saga do dia também persistiu
Porque outro endereço eu quero ter.

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Quem?
Dança com as noites,
sem sair do lugar.
E a chuva já passada,
ainda a faz respingar?

Molha as flores,
que aina vão brotar.
E lança-lhes perfumes,
que exalam pelo ar?

Quem...

Abstrai da luz,
gotas de escuridão.
Só para valorizar,
a força do clarão?

Seduz no grito,
sem nem um som ecoar
E com um único suspiro
retém a água do mar?

Quem...

Arranca da flor a
a alma em dor,
E embala nos braços
a pureza do amor?

Doravante poeta
Dá-nos letras a recitar
E formosos poemas,
para a voz embargar.

Texto de Alba Atróz para o Inéditos & Inacabados: MOTE Voltarei a resgatar-te, ó quebrada, do progresso opressor. GLOSA Pela janela de um ônibus vou recolhendo teus cacos E do atroz corrupto te escondo E tuas riquezas são reconstruídas a partir de minha memória em teus escombros E num muro de luta te pinto, te grafito, reacendo teus traços E resistimos juntos às vertigens e aos maus tratos E, no despertar à margem, continuamos mostrando teu pregresso valor E a importância de superarmos todo este terrível estupor E quando tuas relíquias reaparecerem maltratadas E em tua terra esteja tua história e uma flor, à sombra, num campo, pisoteada, Voltarei a resgatar-te, ó quebrada, do progresso opressor.



Poema de Daniel Carvalho para o Inéditos & Inacabados: 
O vento corta como uma foice
Jaqueta fina, calça que não serve no irmão
 Chinelo, sem meia
 imagina a pressão.
 Entro num fast food

Tô com fome e preciso levar grana pra casa
 Mas ali só tem gente rude comendo
"Dar grana pra moleque folgado, pra que? Não sou obrigado!"
 Vai vendo
Peço uns trocado
Mas na mente dos cara sentado tá escrito:
Mas na fala, a forma é diferente
Me sinto culpado, nem sei de que!
O recado é dado no olhar indiferente
Mas só partilho 
Sorrisinho sem graça e hipócrita na boca:
"não tenho grana hoje, filho"
E assim eu trilho
da mesma dor
"sustentar vagabundo não vou,
com quem é da quebrada
Pros outro, nóis não é nada
A moeda nem é dada
Mas a ideia errada é lançada:
Sei lá, meu,
cadê o pai dessa criança?"
Ae, também faço essa cobrança!
Mas ele tá preso
Isso que me deixaram de herança
"Mas e a mãe?"
Não tenho patrão, mas tenho minhas meta
Quem tá pedindo ajuda não é ela, sou eu!
Passo de mesa em mesa
Mas já naquela certeza do não
Preciso ajuda a sustenta meus irmão
O trampo na rua é maçante 
Tá vendo como no bagulho tenho responsa?
E você aí na desconfiança.
Trampo na rua, jão
Nem tenho tempo de estuda
Nem cabeça pra pensa
Que a escola é importante
O desejo de vingança em mim se cria
Enquanto os moleque da sala tem tempo de jogar video game e fazer lição
Minha mãe não tem grana pra botar um lápis e borracha na minha mão.
Realidade dura e fria
Os moleque me zoando na escola
Só porque vivo pedindo cola
Também quero andar nos pano
Acham que sou burro, idiota
Talvez eu seja
Mas minha melhora ninguém almeja 
As prof dizendo que não tenho esforço
Vô ter que fazer reforço
Dizem que vou chegar no fundo do poço
Também tenho meus sonho
Ainda sou criança, suponho
Sair como? Minha vida nem tem poesia.
Não é isso que dá valor ao ser humano?
Então, por isso comecei a andar com uns mano aí...
Tô fazendo coisa errada
Eu sei
Mas também quero vida de rei...
A realidade da rua convida
à conduta da intriga, da ira
Dizem "sai dessa, é fria"
faça chuva, faça sol
E nem me venha com ladainha se meritocracia
Qual é a tua?
Trampo vendendo bala na rua
Enquanto vc sai de carro pros rolê
Pra vc vê
Cadê a meritocracia?
Não é o esforço que faz a pessoa crescê?
Então, tio,
trampo no frio, olho uns carro,
vendo bala no farol
to na correria
Tá roubando a infância de um menino
mas a recompensa de mim se distancia
fala, jão, como saio dessa?!
fala, caraio, por que tô nessa?
meça seu preconceito, parça
porque por nóis não há quem faça!
Relaxa, jão, não vô te roba
Mesmo você miguelando aí o que vai sobra.
Quem tá roubando aqui é a sociedade,
É a tua indiferença!
E parece destino do oprimido parecer o assassino.
Quem mata aqui é você, pobre burguês, da classe dominante
É o seu olhar de desprezo, arrogante.
o grande inquisidor 
Da minha sentença


Poema de Akira Yamasaki para o Inéditos & Inacabados: jardim de hideko - 27
quando ela chegou veio tão destruída por fora e por dentro,
tão cansada de tudo e todos, que ao primeiro indício de que
seguidos, o justo e áspero sono da sua viuvez;
estava a salvo na sua nova casa deitou e dormiu seis meses

quando afinal acordou do seu incomum inverno, a sua face
estava serena como se tivesse durante a travessia do seu
página de luto e dor;
extenso sono de novos sonhos, apagado para sempre sua

neste dia ao acordar não sorriu nem chorou, não perguntou
nada nem amaldiçoou deus por sua cota de sofrimentos e
e cheiros dos seus tempos de menina e um velho chapéu de
perdas e apenas vestiu um avental encardido de lembranças
palha eu vou para maracangalha;

então comprou pás, enxadas, tesouras de jardinagem e luvas
de pedreiro e com algumas plantas e paciências trazidas da
cabeça porque entendeu que era a hora correta para curar o
casa antiga começou a inventar um jardim sem pé nem
coração torturado de um poeta doente




Texto de Rosinha Morais para o Inéditos & Inacabados: Sobre Maioridade
Meu medo não está na criança
Nem está no adolescente
Eles não têm segurança
Em sua maioria, são carentes

Você fala sobre a redução
Que não fazê-lo é loucura
Experimente melhorar a educação
E fazer mais pela cultura

Os jovens vivem numa corda bamba
Sem nenhuma perspectiva
Veem os pais vendendo muamba
E apanhando da vida

Numa sociedade de desmandos
Retrato de qualquer novela
O preço, pago pelo rico malandro
Terá seu soldo quitado nas favelas


Texto de Joel Filho para o Inéditos & Inacabados (Joel não ficou no encontro, por conta de outros compromissos, mas deixou o texto para que sua mãe - Rosinha Morais - fizesse a leitura):
Se a Quebrada
Assim está e todos sabemos
Por que ninguém a conserta,
A quem interessa que exista
Uma parte da cidade
Quebrada?

2 poemas de Sueli Kimura para o Inéditos & Inacabados:

É noite
Ecoa o som das quebradas
Amanhece
O eco permanece

=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=*=

Um tiro
Asas quebradas
Um rodopio
Dor 



Texto de Gilberto Braz para o Inéditos & Inacabados" (O Gilberto não participou do encontro, por conta de outros compromissos, mas deixou o texto no Facebook, de onde roubartilhamos para degustação de todos): Vozes



Eh, São Miguel, também tem ladeira!

somos morros de formação recente

em sedimentos de histórias ancestrais

uma cidade à parte, uma vontade a mais
uma voz presente, outra quebrada
uma mão na frente, a outra atrás
aqui é um mundo à parte, outra pegada.

Eh, São Miguel, também tem ladeira!
o grande caldeirão a levantar poeira
com seus braços abertos feito um cristo
a salvar aqueles que não têm nada com isto
a abraçar seus filhos de outras mães
os seus filhos de santo
os seus filhos das putas
na mesa de todas as festas
no ventre de todas as lutas

Eh, São Miguel, também tem ladeira!
aqui é um mudo à parte
outra pegada
uma voz presente, outra quebrada.



3 haicaos de Escobar Franelas para o Inéditos & Inacabados"
I - a vida acontece a muitos.
quente, forte, revirada
agridoce, desengarrafada

II - noite longa, insaciada
tarde: leve mente alcoolizada
a vida - aos cacos - atrasada

III - nas vilas, ruas, vielas
o dia acende o sol
faiscando nas garrafas



Resumo geral de Rosinha Morais para o Inéditos & Inacabados (Rosinha foi a mediadora deste encontro, que teve um aquecimento inicial com Sueli Kimura)

Após uma breve apresentação de textos sobre “Quebradas”, assim aconteceu a quarta edição do Inéditos & Inacabados.

1 – Rodada de leituras aberta  por Enide, com o texto: “Endereço : Quebradas”, trazendo a visão interna, de dentro pra fora da quebrada.
2 – Seu Mário introduziu um texto completamente inédito em relação ao tema, trazendo a “quebrada” com uma visão espetacular, sobre o quebrar do viver e seus aprendizados.
3 – Daniel quebrou tudo com um poema, que embora ele sublinhasse, estar trabalhando com um tema que não era do seu perfil, usou a profundidade para tirar qualquer artificialidade do assunto, dissecando a questão social, indo ao cerne do problema ou da realidade que ronda os moradores das “Quebradas”.
4 – Leitura do texto do Joel Filho. Poema curto, mas impactante. Criando ou quebrando elementos. Burilando com o conceito. Inquietando.
5 – Rosinha Morais – (?)
6 – Sueli Kimura – Os textos da Sueli vêm surpreendendo cada vez mais, de uma forma maravilhosa, sintetizando a força da poesia, em pequenas pérolas (Como comparar um quilo de algodão com um quilo de ouro, o peso é igual, mas os volumes e valores apresentam grandes diferenças).
7 – Alba Atróz – Veio nos oferecer uma viagem por todo o contexto “quebrada” – Utilizando a figura da desconstrução para edificar novas caracterizações, mantendo como ponto forte a resistência, o continuar.
8 – Akira trouxe o poema Jardim de Hideko 27 e conseguiu estruturar a quebrada, comparilhando um pouco da sua intimidade e mexendo com a emoção de todos.
9 – Escobar apresentou mais alguns dos seus textos minimalista, de profundos significados e múltiplas interpretações.