Akira, Vania e Fernando em fotomontagem de Eder Lima (foto: arquivo de Ligia Regina/Eder Lima) |
Sempre que numa determinada noite de sábado acaba mais um Blablablá na
Casa Amarela – Espaço Cultural, dois sentimentos se misturam em mim. O primeiro é o prazer
que revigora minhas energias e quase que me exige que se continue o debate,
mesmo depois das luzes apagadas e do cenário desfeito. O segundo é quase o
contrário, um desconforto da utopia, que se alitera em outras sensações e
provoca um curto-circuito diante da impotência de realizarmos muito daquilo que
sonhamos por algumas horas.
O Blablablá nasceu da procura pelo entendimento daquilo que está
acontecendo hoje no universo da periferia e da produção cultural independente. Curiosos,
nós, da Casa Amarela – Espaço Cultural, cometemos a ousadia de querer decifrar
o que é “sarau” e outros fenômenos culturais que permitem o protagonismo do
produtor e do artista marginais, sem que sejam vistos pelo viés quase exclusivo
do exotismo, do burlesco ou do quixotismo. A periferia sempre teve uma intensa
produção cultural com características muito próprias que sempre foram vistas
pela mídia “oficial” como algo inusitado, quase como uma visita a um zoológico
humano. Logo, quando a vivência das ações desempenhadas, memórias reunidas,
troca de experiências e problematizações repensadas entre os convidados do Blablablá,
tudo isso realizado num espaço simples por pessoas que vivem e compreendem a
realidade social que o senvolve sem romantismo juvenil, serve como mola
propulsora para as novas idéias que surgem no calor das discussões que o debate
suscita. Identificar e aplicar esse turbilhão de idéias é um dos vetores que
norteiam as ações da Casa Amarela.
Para a edição de março, o Blablablá teve como convidados Vânia Cardoso
Coelho (escritora – autora de livros como “Os Inocêncios” e “Ritos
Encantatórios”, entre outros, e que também é jornalista e docente da
Universidade de Guarulhos – UNG, nascida e criada em Itaquera, atualmente
vivendo no Tatuapé), Fernando Torres de Andrade (autor do livro de contos “para
quando o entulho soterrar os joelhos”, que conhece o Tucuruvi como poucos) e
Akira Yamasaki (poeta e produtor cultural, autor do livro “Bentevi, Itaim”,
morador do Itaim desde a infância e atuando na região de São Miguel há mais de
35 anos). Akira supriu a ausência de André Marques, cordelista e cantador
baiano que, por motivos familiares, cancelou uma turnê que estaria fazendo em
Sampa nesta semana.
Se André fez falta, sabemos bem. Mas sabemos também que Akira contribuiu
para elevar, com sua história personalizadíssima e sua argúcia nipo-brasileira
exarcebada, o nível da discussão para índices estratosféricos.
Fernando apresentou-se contando da experiência de ler preencheu quase a
totalidade de sua adolescência, tomando muito do seu tempo, inclusive o de
trabalho. Vânia, inquirida sobre o fato de escrever em vários gêneros textuais,
contemporizou e reafirmou seu compromisso com a arte e a busca de uma
satisfação pessoal durante o ato libertador de escrever.
Akira fez uma explanação detalhada de sua chegada a São Paulo,ainda
menino, da primeira experiência como borracheiro, e de como descobriu na
escrita a afirmação do ser. Ligou estes
fatos numa linha do tempo, justificando o encontro com outros artistas de São
Miguel e região como embrião catalizador de sua expressão que tornava-se, a
partir então, arte.
As provocações foram se sucedendo, com a participação ativa da platéia.
Fran Nóbrega, Eder Lima, Zulu de Arrebatá, Luka Magalhães, Paulinho Dhi
Andrade, Sueli Kimura, Alexandre Francisco, muitos dos presentes problematizaram questões sempre
pertinentes com o universo literário e sua produção no âmbito periférico.
Em momento oportuno, Paulinho, também autor, questionou como cada um
lançou seu primeiro trabalho. Fernando salientou a dificuldade no contato com
as editoras, ao passo que Vânia enfatizou a relação profissional estabelecida já
na publicação de sua primeira obra (Ritos Encantatórios, ensaio, pela editora
da PUC), enquanto Akira citou a “ação entre amigos” como motivadora de sua
publicação, “Bentevi, Itaim”. Três experiências diferentes.
Outro momento de grande relevância foi quando, instados pela Fran que,
visitando a Casa Amarela pela primeira vez, teve uma participação muito
assertiva. Trazendo para a arena das discussões conceitos como o de beleza, ela
acendeu o pavio para uma prolífica conversa. “A beleza é um dogma que todo mundo
traz”, sintetizou ela. Ao que Vânia interpelou, “o Belo é mutável conforme a
sociedade”. Eder Lima, músico, artista visual e professor, avançou ainda mais
no terreno pantanoso do tema. Segundo ele, “o Belo reproduz um pensamento do
homem ocidental e está configurado dentro da Filosofia, no campo da Estética”.
Akira complementou com outra linha de raciocínio: “fiquei quase 20 anos sem
escrever, estava mutilado, exilado... escrevo por necessidade. Não sei o que é
Beleza, não sei o que é Poesia. Para mim, Poesia é uma espécie de
encantamento”.
Encantamento para Akira, libertação para Fernando, grito para Vânia, fato
é que a “poiésis” foi a grande contemplada no Blablablá. A soma de todas as
vozes criaram um coro quase uníssono de que independência artística, se há,
ainda é um campo a ser conquistado. A produção e – principalmente – a
distribuição do produto artístico ainda é o grande calcanhar de Aquiles. E que
tudo isso passa pela necessidade onipresente, auspiciosa e emblemática da formação
de público.
Finalizado o evento, o blá blá blá continuou pelas salas, corredores e até a garagem da Casa Amarela.
Pois idéias, planos, sugestões e motivações não faltam a cada um dos que
estiveram presentes. Motivos suficientes para celebrar o encontro, “a arte do
encontro”. E também para celebrar a vida, “a arte da vida”.
Escobar Franelas
Vania autografando Os Inocêncios para Ligia Regina (foto Eder Lima) |
Foto "oficial" pós-Blablablá (foto: Célai Yamasaki) |
Convite confeccionado pela Editora Kazuá para o Blablablá |